‘Os
pacifistas’: professor de escola onde Duda foi morta não desistiu de mudar
realidades
A primeira lição é a superação do
corpo. O professor de educação física Marcelo Lima, de 42 anos, ensina que
realizar repetidas vezes o mesmo movimento leva o atleta (no caso, o aluno) à
perfeição. E isso é pedagógico: o esforço compensa — o que leva à superação das
dificuldades escolares, e, depois, das dificuldades que a vida impõe,
especialmente num lugar como a Pedreira. Esta é a favela onde o educador dá
aulas na Escola municipal Jornalista Daniel Piza. Marcelo é um Pacifista. O
primeiro da série de histórias que o EXTRA contará. Em meio à guerra, ele e
outros cariocas desafiam as armas com amor. Amor que o fez enfrentar uma
terceira lição: a superação de suas próprias fraquezas.
Por Bruno
Alfano Do Extra
Foi na Escola municipal
Jornalista Daniel Piza onde Maria Eduarda, de 13 anos, foi morta, em março,
atingida por uma bala perdida. Ela estava praticando basquete no projeto de
esporte criado, em 2015, pelo professor Marcelo, que ainda tentou proteger seus
estudantes durante aquele confronto. Mas era impossível — ele, um
super-professor, precisava ser o próprio Super-Homem, de peito de aço, para
parar a chuva de balas.
O educador ficou quatro meses
afastado se recuperando da tragédia. Mas voltou. Voltou para continuar o
trabalho que já fez com que seis alunos fossem contemplados, em 2016, com
bolsas de estudos em poderosos colégios particulares.
— O bom é perder o jogador para
outros times quando eles conseguem as bolsas — brinca o professor, que, em
tratamento, ainda não se sente bem para falar sobre o que viveu no traumático
30 de março.
O objeto central da formação dos
seis times da escola (no vôlei, basquete e handebol masculino e feminino) é
fazer com que os alunos se destaquem em competições colegiais e consigam fazer
a próxima etapa escolar, o ensino médio, em colégios particulares. Mas não é só
isso. Os meninos do projeto (no ano passado, 72 jovens diferentes participaram
em algum momento de algum treinamento) são afastados das ruas: passam as manhãs
em aula e as tardes na quadra da escola. Além disso, saem da comunidade para
disputar competições. Já jogaram em Petrópolis. Atualmente, o time masculino de
vôlei está no torneio Intercolegial, disputado no Sesc Tijuca.
— Eu não tenho pretensão nenhuma
de formar atletas. Mas cidadãos — afirma Marcelo.
Os campeonatos não aliviam as
escolas públicas: é preciso dinheiro para fazer as inscrições. O material
também não tem em quantidade ideal. Mais bolas sempre ajudam o treinamento.
Para tudo isso, uma receita simples. O professor Marcelo Lima começou a pegar
coisas da própria casa para rifar. Os alunos são incumbidos de andar pela
comunidade vendendo os bilhetes.
Um dos que corre pelos prédios e
casas do morro da Pedreira, batendo de porta em porta com a rifa na mão, é
Elizeu Pereira, ponteiro forte, camisa 11 do time de vôlei, de 15 anos, que
cursa o 9º ano no colégio. O garoto estava ao lado de Maria Eduarda na hora da
tragédia. Tentou ajudá-la a se esconder. Não deu. Pegou a amiga morta nos
braços até se dar conta de que não havia mais o que fazer.
— Eu nunca vou esquecer o que eu
vivi naquele dia — sentencia o rapaz.
Até o ano passado, Elizeu jogava
ao lado do irmão gêmeo, Elias. Agora, são adversários — já que o ex-companheiro
conseguiu uma bolsa num colégio particular. A meta é voltar a jogar lado a lado
com Elias.
— Eu quero conseguir isso que o
meu irmão conseguiu também. Vou me formar e ser um jogador de vôlei. Meu irmão
diz que está conhecendo um outro mundo lá — diz o menino, morador da Pedreira,
e um dos destaques do time: — Quero fazer o mundo descobrir o lugar onde eu
moro. Quero mostrar que na favela também tem talento.
O sonho do menino reflete as
ideias da equipe pedagógica. A coordenadora Claudielle Pavão, defende a
educação através do afeto. E não no sentido apenas de carinho — broncas, num
time, são mais do que normais, basta lembrar do multicapenão Bernardinho. Aqui,
ela fala do afeto no sentido de ser afetado, marcado, pela escola. Algo que os
alunos levarão para fora das salas de aula e das quadras.
— A gente vê que os meninos se
relacionam de uma forma diferente com a escola. Eles passam a cuidar melhor dos
materiais, têm mais disciplina — conta Claudiele.
— Começamos a jogar fora dos jogos
da prefeitura no ano passado. Somos três no projeto. Eu, o Victor Ventura e o
Cláudio Gama. Tudo o que fazemos é porque temos o apoio da direção. O objetivo
não é ser campeão. A ideia é que outra escola leve eles a outros lugares. Tem
alunos também que foram chamados para clubes, mas há o problema de passagem.
Porque o RioCard só é de graça para ir à escola. Mais alunos nossos poderiam
jogar em grandes clubes, mas não conseguem pagar o transporte. O funil para
eles jogarem profissionalmente é grande. O Rio tem poucos times. Mas penso
mesmo é na formação, no que vamos deixar para os jovens, em termos de
compromisso, de disciplina e de portas abertas — diz Marcelo.
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