Tribunal
de Justiça de São Paulo condena o estado a pagar indenização à jovem negro que
sofreu violência em abordagem policial
Data:
22/06/2018
Categoria:
Geledés no Debate, Violência Racial e Policial
Um dos desafios que se impõem à sociedade brasileira
e que toca profundamente a comunidade negra é o enfrentamento à violência
racial que tem na juventude negra suas maiores vítimas.
por Maria
Sylvia de Oliveira
arquivo pessoal
O racismo estrutural e sistêmico
que transforma o negro em suspeito potencial das ocorrências policiais
coloca, principalmente, os jovens negros na mira da atuação policial que
utiliza de métodos de constrangimento, humilhação e de absurda letalidade,
fato que pode ser comprovado a partir dos números de mortes nos confrontos
policiais divulgados diariamente.
Ainda que judicializada esta
atuação policial nunca mereceu a devida reprovação do Poder Judiciário que
historicamente decide em favor das corporações militares e seus
componentes acolhendo a alegação de que esses agentes do poder estatal
efetuam um “procedimento padrão”, nas abordagens policiais.
No entanto, decisão inédita dos
desembargadores da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de
São Paulo que votaram pela condenação do Estado por atuação truculenta de
policiais militares durante abordagem de um adolescente negro pode ser uma
luz, ainda que de vela, no trevoso caminho para a garantia de direitos
fundamentais e proteção de direitos humanos da população negra. O
Julgamento ocorreu em abril de 2018 e os desembargadores votaram a decisão
por unanimidade.
O caso judicializado ocorreu no
dia 05 de maio de 2010. O jovem Nathan Palmares da Silva Firmo dirigia-se
ao Estádio Paulo Machado de Carvalho (Pacaembú), acompanhado de seu pai, o
advogado Sinvaldo José Firmo, para assistir à final do campeonato pela
Taça Libertadores da América quando jogariam Flamengo e Corinthians, time do
coração do jovem adolescente à época com 13 anos de idade.
Ao passarem pela viatura com três
(3) policiais militares, todos armados com pistola ponto 40 e uma calibre
doze, na Av. Pacaembú, em frente ao prédio da Receita Federal foram
abordados por esses policias, sendo que um deles apontava uma pistola
ponto 40 para o jovem e seu pai. Em tom agressivo, um dos policiais
gritava para que o jovem tirasse as mãos do bolso da jaqueta ordenando que
ele encostasse na parede. Já com a arma apontada para sua cabeça o jovem
muito assustado e sem entender o que estava acontecendo retirou do bolso a
carteira de identidade o bilhete de transporte público com identificação
escolar, entregando aos policiais.
O pai do adolescente em desespero
tentava identificar-se para os policiais mostrando sua carteira
profissional de advogado. Um dos policiais com uma arma calibre doze nas
mãos, em tom jocoso e agressivo disse ao pai do adolescente: “você é
advogado, então será revistado também”.
Questionados sobre a forma como procediam,
um dos policiais respondeu que aquela era uma abordagem de rotina.
Muito assustados com a
agressividade dos policiais, desnorteados e extremamente indignados o
adolescente e seu pai seguiram para o estádio mas, emocionalmente abalado,
o jovem não conseguiu entrar no estabelecimento para assistir ao jogo e
ambos retornaram para a estação do metrô e ao avistarem a viatura policial
novamente anotaram a placa e o número de identificação.
Importante salientar que, após os
fatos, o adolescente foi acompanhado por psicólogo que atestou um quadro
de stress pós-traumático comprovando que a agressão dos policiais causou
um abalo na saúde mental do adolescente.
Assessorado pela advogada Maria
Sylvia de Oliveira e o advogado Lino Pinheiro, o pai do adolescente
ajuizou ação indenizatória por danos morais, tendo como fundamento o
parágrafo 6º, do artigo 37 da Constituição Federal – “As pessoas jurídicas
de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa”, com a argumentação jurídica da
discriminação racial como agravante da responsabilidade do Estado visto que
em nossa Carta Magna encontra-se assentada em diversos dispositivos a
vedação à discriminação, assegurando em seu artigo 1º, inciso III, a
dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do
Brasil e, também, o artigo 186 do Código Civil “Aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete mato ilícito.”,
Em sua fundamentação a relatora
do caso Desembargadora Teresa Ramos Marques cita que “a Polícia Militar possui
um histórico negativo em relação à comunidade negra”, reportando à
orientação da PM na cidade de Campinas, que recomendava, à época,
abordagem policial de “indivíduos de cor parda e preta” declaração que
motivou um processo contra a Corporação naquela cidade, movido pela
Defensoria Pública. A Desembargadora citou, também, a declaração de um
comandante da ROTA em São Paulo sobre a diferença de abordagem à
indivíduos nos Jardins (zona nobre da capital) e nas periferias.
A Desembargadora condenou o Estado
de São Paulo à pagar uma indenização de R$15.000,00 (quinze mil reais) ao
jovem adolescente, dizendo: “… demonstrada a abordagem abusiva dos agentes
estatais (conduta), o dano provocado (stresse pós-traumático), bem como o
nexo de causalidade entre um e outro.” concluiu: “… deve o magistrado de
um lado, considerar as consequências causadas pelo dano à personalidade da
vítima, permitindo, quanto possível, a sua reparação (aspecto
reparatório), e, de outro, coibir a reiteração da conduta ilícita pelo
ofensor (aspecto pedagógico)”
Para o pai do jovem negro Nathan
Palmares, hoje com 21 anos, advogado, ativista do Movimento Negro e de
Direitos Humanos esta não foi uma vitória de seu filho mas, sim, de todos
os jovens negros.
Junto com a decisão da 6ª Turma
do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em 2015, que equiparou o crime de
injúria racial ao crime de racismo declarando sua imprescritibilidade,
confirmada recentemente pelo STF (Supremo Tribunal Federal), essa decisão
do Tribunal de Justiça de São Paulo que condena abordagem policial
truculenta, agressiva e racista lança um pouco de esperança na
possibilidade de mudanças para que aos negros e negras e especificamente a
jovens negros seja garantido um Estado Democrático de Direito com a fundamentação
constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana.
Maria
Sylvia de Oliveira é advogada e presidenta do Geledès–Instituto da Mulher
Negra.
Negra.
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