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Reflexões sobre a Conferência das Nações Unidas
contra o Racismo, a Intolerância Racial, a Xenofobia
e a Intolerância Correlata
WOLFGANG DÖPCKE*
Introdução
A recente 3a Conferência Mundial da ONU contra o Racismo, que reuniu
mais de seis mil representantes de governos e Organizações Não-Governamentais
em Durban, na África do Sul, ameaçou fracassar por causa de profundas
divergências de opinião sobre dois assuntos: a política israelense contra os palestinos
e a terminologia da condenação da escravidão e do tráfico transatlântico de escravos.
Para que não haja dúvidas, é importante lembrar que a parte polêmica da condenação
do tráfico de escravos se refere ao comércio triangular do sistema atlântico entre
1450 e cerca de 1850 e à escravidão nas Américas durante esta época. Depois da
retirada dos Estados Unidos e de Israel, a Conferência se radicalizou. Foi salvada
em amargas e “frenéticas” negociações nos bastidores e por uma prorrogação de
mais um dia. Confrontados com a intransigência dos Estados europeus, os delegados
africanos mais radicais recuaram e aceitaram um documento final de compromisso.
As afirmações deste documento final acerca do tráfico transatlântico de escravos
já provocaram as mais diversas interpretações – de uma “vitória” decisiva dos
europeus (uma vez que desculpas explícitas e indenizações não foram pedidas) até
celebrações de ONGs, que vêem na condenação do tráfico como crime contra a
humanidade, um fundamento jurídico para se abrir processo de indenização na
justiça. Uma coisa parece certa: a questão de reparações pelo sofrimento e danos
causados pelo tráfico transatlântico de escravos está longe de ser encerrada e
manterá um grande peso no cenário da política internacional – influenciando as
relações Norte-Sul – e nos discursos da política interna nos Estados Unidos. O
problema se coloca também para a sociedade e política brasileiras, uma vez que o
Rev. Bras. Polít. Int. 44 (2): 26-45 [2001]
* Professor de História Contemporânea da Universidade de Brasília
O OCIDENTE DEVERIA INDENIZAR AS VÍTIMAS DO TRÁFICO TRANSATLÂNTICO DE ESCRAVOS? 27
Brasil é citado como integrante do grupo dos países que teriam sido beneficiados
com o tráfico. Além desta dimensão nas relações internacionais, a questão da
herança da escravidão no Brasil se apresenta como um dos principais tópicos na
política doméstica, em função das desigualdades sociais e das discriminações nele
sofridas pela população negra.
Indenizar as vítimas da escravidão: evolução das idéias
A reivindicação de indenização para as vítimas do tráfico de escravos e da
escravidão no sistema atlântico se desenvolveu historicamente em três vertentes.
A primeira surgiu nos Estados Unidos, exigindo indenizações (ou reparações) para
os ex-escravos e seus descendentes. De uma certa maneira, a idéia de compensação
já estava presente nas forças de emancipação nos anos 60 do século passado,
quando o Partido Republicano prometeu aos ex-escravos o pagamento de “forty
acres of land and a mule”. Como se sabe bem, esta promessa, que foi pensada
com o propósito de permitir a existência dos ex-escravos como pequenos produtores
agrícolas, nunca foi honrada. Os negros norte-americanos foram jogados em uma
miséria profunda e relegados a um status inferior pelas legislações segregacionistas.
A exigência de reparações pelo sofrimento durante os “400 anos” de exploração
da mão-de-obra negra sem remuneração se manteve como um elemento central
do pensamento negro (entre outros, de Martin Luther King) e, subseqüentemente,
dos movimentos sociais e de direitos civis nos Estados Unidos. Nos anos 1980 e
1990, popularizou-se na cultura negra urbana, resultando na fundação de vários
grupos dedicados a esta causa (National Coalition of Blacks for Reparation in
America; Transafrica, December 12th Movement; National Black United Front).
O Congresso Nacional norte-americano, face à moção principalmente dos membros
negros (“Black Caucus”), debateu em várias ocasiões, projetos de lei sobre
desculpas, indenizações e monumentos de homenagem às vítimas do tráfico e da
escravidão.
O movimento ganhou mais força a partir do final dos anos 1990 quando,
mais líderes do movimento de direitos civis, inclusive Jesse Jackson, e amplos
setores da sociedade americana, passaram a apoiar as reivindicações.1 Supostos
precedentes tinham sido criados pelas indenizações pagas a vítimas de outras
injustiças do passado (por exemplo, aos sobreviventes judeus do Holocausto, à
mão-de-obra escrava explorada pelos nazistas, no caso da Alemanha, e aos
americanos de origem japonesa, internados pelo Governo americano durante a
Segunda Guerra Mundial)2 . No ano 2000, o movimento ganhou, com a publicação
do livro: “The Debt: What America Owes to Blacks” de Randall Robinson, o seu
“manifesto moderno”.3 As opiniões sobre a forma das indenizações variam entre
os grupos e indivíduos engajados, mas percebe-se uma clara tendência de se buscar
compensação financeira através de decisões judiciais. O debate público nos Estados
28 WOLFGANG DÖPCKE
Unidos é muito polarizado e apresenta, nas suas margens, formas de raciocínio
pouco éticas. De um lado, a forte presença de ideólogos ultraconservadores e da
extrema direita4 , negando veementemente qualquer culpa histórica e descartando
rigorosamente qualquer tipo de reparação, dificulta posicionamentos mais críticos
sobre as reivindicações, em função do perigo de se aproximar deste ideário
ultraconservador. De outro lado, certos argumentos articulados por frações do
movimento negro, especialmente por Louis Farrakhan e seus militantes,
hierarquizando o sofrimento histórico e justificando reparações pelo fato de que “o
Holocausto negro” teria sido mais grave do que o “Holocausto judeu”, demonstrando,
assim, inveja das indenizações recebidas “pelos judeus”, imprime ao debate uma
direção desumana.5 A imagem do “holocausto negro”, com todas as possíveis
conseqüências,, implícitas e explícitas, de comparação, inveja e competição pelo
“maior sofrimento”, ainda desfigura o debate. Fala-se no “most horrendous holocaust
in human history”6 , ou escravidão e colonialismo são denunciados como um “double
Holocaust”.7 É certamente difícil compreender como se conseguiria o
reconhecimento do sofrimento de um grupo, relativizando ao mesmo tempo o
sofrimento de um outro.
Internacionalmente, as reivindicações de indenização das vítimas do tráfico
de escravos datam já dos primórdios do pensamento pan-africanista na diáspora,
desde o fim do século XIX. Mais recentemente, esta idéia popularizou-se na África,
principalmente na Nigéria e em Gana, em função das atividades de grupos e
indivíduos, muitos em contato com os movimentos norte-americanos. Destacamse,
entre outros, a “Afrikan World Reparations e Repatriation Truth Commission
(AWRRTC)” (Gana) e a “Nigerian Civil Society”, do falecido milionário nigeriano
Moshood Abiola, que organizou a primeira Conferência de Reparações em 1990,
em Lagos. Outros eventos se seguiram: Abuja (1993), Quidah (1999), St. Louis,
USA (1999) e Accra, também em 1999. No centro das reivindicações destes
grupos e convenções não estão os descendentes dos escravos nos Estados Unidos,
mas sim e principalmente o próprio continente africano, enquanto vítima de 400
anos de tráfico e colonialismo. Estes grupos, apesar de articular variadas
reivindicações concretas, dentre elas o direito de retorno dos africanos da diáspora
à África, concentram-se principalmente em indenizações financeiras. A AWRRTC,
por exemplo, exige, além da anulação da dívida externa africana, o pagamento de
777 trilhões de dólares (isto é, 777 com doze zeros, soma que representaria, segundo
alguns cálculos, 26 vezes o atual produto interno bruto do mundo) pelas nações e
instituições da Europa Ocidental e das Américas que teriam se beneficiado com o
tráfico de escravos e colonialismo.
O terceiro momento de evolução foi alcançado quando a idéia de reparações
revestiu-se de um caráter mais oficial, sendo apoiada por representantes de governos
africanos. Diversos governos africanos enviaram representantes às conferências
de reparação. Em 1993, a Organização de Unidade Africana (OUA) debateu o
O OCIDENTE DEVERIA INDENIZAR AS VÍTIMAS DO TRÁFICO TRANSATLÂNTICO DE ESCRAVOS? 29
tema em uma sessão especial, chegando a uma resolução ambígua sobre o assunto,
que fala em dívida histórica e reparações, sem especificar, entretanto, o caráter
financeiro destas reparações. Finalmente, em múltiplas reuniões multilaterais de
preparação da Conferência, de nível, caráter e representatividade bem diversos,
todas as vertentes se encontraram, antecipando o confronto que, afinal, caracterizaria
o encontro de Durban. A posição africana eraestava longe de ser unânime, e as
diversas resoluções oscilaram entre posições mais “radicais” (declarando o tráfico
transatlântico um crime contra a humanidade, insistindo em desculpas formais por
parte dos países ocidentais envolvidos e exigindo reparações pelas destruições
causadas pelo tráfico) e mais “moderadas” (por exemplo, aceitando declarações
de arrependimento em vez de desculpas). Na “Declaração de Dakar” (janeiro de
2001), os delegados dos Estados africanos afirmaram “... that the transatlantic
slave trade is a unique tragedy in the history of mankind, a crime against humanity
which is unparalleled, not only in its abhorrent barbaric feature but also in terms of
its enormous magnitude, its institutionalized nature, its transnational dimension and
especially its negation of the essence of human nature of the victims. Further
affirm that the consequences of this tragedy accentuated by those of colonialism
are still present in the form of damage caused to the descendants of the victims,
the perpetuation of the prejudice against Africans in the Continent and Blacks in
the Diaspora, and the hindrance of the development of Africa.” Entretanto, duas
semanas antes da abertura da Conferência em Durban, em mais uma rodada de
negociações difíceis em Genebra, a África do Sul conseguiu forçar o bloco africano
a assumir uma posição mais moderada.
Em Durban, este frágil consenso entre os Estados africanos implodiu, bem
como a posição conjunta da União Européia, acarretando um evento muito
tumultuado e ameaçado de encerramento sem documento final. O estopim do
abandono das posições anteriormente negociadas e acordadas foi a saída dos
Estados Unidos da Conferência em função de tentativas de denunciar o sionismo
como doutrina de supremacia racial. Muitos delegados, especificamente o Black
Caucus dos próprios Estados Unidos, interpretaram a postura norte-americana na
questão dode Israel como um bom pretexto para não enfrentar as discussões sobre
escravidão, e intensificaram, junto aos países africanos, o lobby em favor de uma
linha mais dura. Os países africanos se dividiram entre posições mais ”pragmáticas”,
como a da anfitriã África do Sul e a do Senegal, cujo Presidente Abdoulaye Wade
chegou a chamar a idéia de reparações de absurda e ofensiva, e Estados mais
“radicais”, liderados – ironicamente – pela Nigéria, Zimbábue, Zâmbia e Namíbia.
Ironicamente – porque a Nigéria teve problemas próprios com a escravidão no
passado mais recente, uma vez que abrigou em seu território (posterior) o Califado
do Sokoto, o maior Estado escravista do mundo na segunda metade de século XIX,
e porque as regiões dos outros três Estados nunca foram atingidas pelo tráfico
transatlântico. O resultado da radicalização da posição africana foi um novo
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documento, exigindo desculpas individuais pelo tráfico e colonialismo de cada um
dos Estados ocidentais antigamente envolvidos, a denúncia do tráfico como crime
contra a humanidade, reparações e cancelamento de dívidas e apoio à “Nova
Iniciativa Africana”. O líder cubano, Fidel Castro, chegou a apoiar a posição mais
radical, afirmando que os descendentes de escravos na África e em outras partes
do mundo deveriam ter o direito de exigir reparações das superpotências”.8
A partir daí, “all hell broke loose”,9 e a iniciativa africana se revelou como
um terrível erro tático. A União Européia havia sido dividida entre Estados com
forte envolvimento no tráfico transatlântico e um passado escravista, que rejeitaram
uma desculpa formal, temendo processos de indenização na justiça, e os outros
onze Estados, que eram dispostos a ir além da declaração de arrependimento e a
aceitar pronunciar desculpas. Confrontados, porém, com tal beligerância africana,
os países da União Européia cerraram fileiras e acabaram apoiando a posição
britânica por unanimidade. A conseqüência da intransigência européia e o fruto de
esforços diplomáticos frenéticos, principalmente por parte da África do Sul10 , foi a
celebração de um documento final ambíguo – aliás, não vinculante – que não
contém desculpas, mas denuncia a escravidão e o tráfico de escravos como crimes
contra a humanidade, sem mencionar reparações.
Nas discussões do tráfico transatlântico da escravidão e das reparações a
diplomacia brasileira assumiu uma posição intermediária: de um lado o Brasil se
mostrou favorável a um pedido formal de desculpas pelos Estados ocidentais
envolvidos no tráfico, e de outro, foi contrário à idéia de indenizações financeiras.11
O Brasil participou no evento com uma grande delegação, envolvendo altos custos
por parte do Governo. O Brasil credenciou oficialmente 185 pessoas de integrar a
delegação do país, às quais se juntaram mais de 320 brasileiros representando
entidades da sociedade civil. Com a exceção do discurso em plenário no dia 1 de
setembro, do Ministro da Justiça, José Gregori, que foi criticado como vago, evasivo
e de uma “generalidade insultante”,12 a atuação brasileira pode ser considerada
como relevante, consistente, e bem preparada. Também o papel do diplomata e
Secretário Nacional de Direitos Humanos, Gilberto Sabóia, que assumiu a chefia
da delegação, depois da volta para o Brasil do Ministro Gregori, nas difíceis
negociações do documento final da Conferência, foi elogiado. Além de ter participado
nas conferências preparatórias internacionais, o Brasil tinha iniciado um processo
de discussão que envolveu tanto o governo como militantes de ONGs e
representantes da sociedade civil, resultando na formulação de um documento
base cujas posições chegaram a orientar a postura brasileira em Durban.13 Os
posicionamentos neste relatório, que nas suas próprias palavras representariam
um compromisso e refletiria “em boa medida formulações em que foi possível
obter posição de consenso entre o Governo e as organizações não-governamentais
brasileiras”, foram, em grande medida, defendidos durante toda Conferência.
Embora denuncie o tráfico transatlântico como “grave violação aos direitos
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fundamentais da pessoa humana”, é um documento quase exclusivamente voltado
à situação interna brasileira que segue princípios universalistas na medida em que
aborda as diversas manifestações de racismo, intolerância e preconceito no país e
não discrimina entre as comunidades afetadas. É político e pragmático na medida
em que faz sugestões concretas de combate às discriminações. Exige do Estado
brasileiro o reconhecimento da “sua responsabilidade histórica pelo escravismo e
pela marginalização econômica, social e política dos descendentes dos africanos”
e a adaptação de “medidas reparatórias às vítimas do racismo, da discriminação
racial e de formas conexas de intolerância, por meio de políticas públicas específicas
para a superação da desigualdade.” Significa que são reivindicadas reparações
sim, entretanto não como indenizações financeiras individuais, mas na forma de
políticas públicas concretas de combate à desigualdade racial. Estas medidas
sugeridas incluem, entre outras, a criação de um fundo de reparação destinado a
financiar políticas educacionais, cursos preparatórios para o ingresso de negros
nas universidades e cotas ou “outras medidas afirmativas que promovam o acesso
de negros às universidades públicas.”
O Brasil defendeu estas posições em Durban até o ponto de contrariar
países africanos e árabes na questão de incluir no texto final da Conferência um
amplo número de vítimas de discriminação (entre elas, pessoas discriminadas por
causa da sua orientação sexual). Muitos representantes de ONGs brasileiras e
pessoas de destaque como a Vice-Governadora do Rio de Janeiro, Benedita de
Silva, foram além das posições deste compromisso, demonstrando, assim, um
pensamento mais radical.14
Tráfico de escravos – perspectivas historiográficas
Considerando a grande relevância da questão, mas sem a ilusão de que
esta venha a ser resolvida mediante um raciocínio científico, vale a pena avaliar os
argumentos centrais do debate sob uma perspectiva historiográfica. Trata-se de
uma discussão sobre culpa e responsabilidade históricas, sobre justiça social e
sobre o relacionamento com um passado que, de acordo com os valores éticos
atuais, é altamente condenável. Surgem, daí, quatro pontos polêmicos: Em primeiro
lugar, centra-se a análise em saber se uma injustiça cometida no passado justificaria
hoje uma indenização. Além disto, quem foram “os culpados” pelo tráfico e pela
escravidão? Quais foram os beneficiados? Quem foram as vítimas e quem são os
seus descendentes hoje? A primeira questão representa um problema de ética
política na atual conjuntura, enquanto as últimas três questões envolvem um estudo
historiográfico sobre a natureza e as repercussões do sistema atlântico e do tráfico
de escravos na África.15 Vamos esboçar cada um destes problemas.
A possibilidade de sanar uma injustiça do passado através do pagamento
de reparações tem uma dimensão jurídica e moral. Juridicamente, os militantes
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pretendem invocar a doutrina legal do enriquecimento ilícito e argumentam que a
caracterização do tráfico como crime contra a humanidade justificaria o pagamento
de indenizações aos descendentes das vítimas pelos governos daqueles Estados
que se teriam beneficiado da mão-de-obra “gratuita” dos escravos16. Além disso,
exemplos recentes de pagamento de indenizações em favor de outras vítimas de
injustiças no passado teriam criado precedentes.
Os contra argumentos jurídicos são muitos e foram articulados veemente,
especialmente pela Grã-Bretanha, na Conferência de Durban: a escravidão era,
na época, não somente uma instituição legal, mas também praticada – além das
Américas – em muitas outras sociedades como na China, na Índia, na Coréia, no
mundo árabe, no Império Otomano, na Rússia e na própria África. Os casos mais
recentes de indenizações não representariam precedentes porque envolvem vítimas
diretas ou injustiças históricas que também nas leis do período eram consideradas
crimes. O lado jurídico é, pois, complexo e certamente vai ser julgado em tribunais
dos Estados Unidos. Entretanto, o foco nos aspectos jurídicos desvia das questões
mais profundas e principais. Trata-se, no fundo, de um problema ético e moral, que
deveria ser resolvido através de um amplo debate, buscando um consenso ético
entre as sociedades e comunidades envolvidas. Por muitas razões, é oportuna a
concessão de um direito a indenizações não somente às vitimas diretas de violações
de direitos humanos, ainda vivas, mas também aos seus descendentes. Mas este
princípio deveria ter limites práticos no que concerne a punição e indenização de
injustiças do passado, levando-se em conta que a história humana é repleta destes
acontecimentos. Seria inoportuno, com certeza, pagar indenizações aos
descendentes das vítimas inglesas do escravismo romano como foi sugerido, com
a intenção de ridicularizar o princípio das reparações.
Para escapar deste dilema, a ONG Human Rights Watch sugeriu que
deveriam receber reparações, em respeito a violações de direitos humanos no
passado, somente indivíduos ou grupos que continuam sofrendo os efeitos destas
violações na atualidade. Mas este raciocínio não responde à complexidade toda do
problema da escravidão. É certo que o tráfico e a escravidão atlântica influenciaram
profunda e permanentemente a imagem ocidental da pessoa negra, e, assim, têm
efeito até na atualidade17. A “racialização” da escravidão, isto é, a associação de
escravo com um ser de cor negra e a imaginação “do negro” como uma “categoria
racial inferior” têm as suas origens no tráfico transatlântico e perduram até hoje,
como figuras de raciocínio e pensamento de longa duração. Vários pronunciamentos
na Conferência de Durban enfatizaram este vínculo entre o tráfico transatlântico
de escravos e os racismos da atualidade18.
De outro lado, a discriminação que os negros estão sofrendo nas sociedades
como as do Brasil ou dos Estados Unidos não representa uma mera continuação
do regime da escravidão, mas reflete uma injustiça que se efetivou depois do fim
daquele sistema e do tráfico. Foram as infames leis “Jim Crow” e a prática
O OCIDENTE DEVERIA INDENIZAR AS VÍTIMAS DO TRÁFICO TRANSATLÂNTICO DE ESCRAVOS? 33
discriminatória e segregacionista nos Estados Unidos, seguindo à emancipação,
que iniciaram uma nova era de discriminação do negro. No Brasil, a população
negra é discriminada apesar da Emancipação e apesar de um grande número de
leis e artigos constitucionais que prometem plena igualdade. A discriminação é
nova, “moderna”, escondida, indireta e informal, contrariando o espírito e as letras
das Constituições do século XX, e representa, assim, uma violação atual de direitos
humanos, que deveria ser combatida e reparada nesta qualidade.
As questões dos “culpados”, dos beneficiados e da identificação dos
descendentes das vítimas do tráfico e da escravidão da época representam
problemas quase insuperáveis. A visão maniqueísta de muitos reparacionistas, que
equiparam culpados e beneficiados com aqueles países ocidentais, cujos cidadãos
estiveram envolvidos no tráfico ou tiveram escravos, e as vítimas com os
descendentes dos escravos no Novo Mundo e com o continente africano, que teria
sido devastado pelo tráfico e, assim, condenado ao subdesenvolvimento, não alcança
a complexidade do problema, mas representa figuras de raciocínio que chegaram
a dominar os discursos na Conferência de Durban. Especialmente os delegados
dos Estados africanos esforçaram-se em destacar o continente africano inteiro
como vítima e a miséria e o subdesenvolvimento atual como conseqüência direta
do sofrimento da época do tráfico transatlântico. O Ministro de Justiça da Nigéria
alegou que “our current state of development is directly tied to the crimes committed
during the slave trade ...”, o representante do Senegal Human Right Committee
argumentou que o tráfico de escravos “was a unique atrocity that resulted in millions
of victims and put Africa into poverty”, o Ministro de Relações Exteriores da
Tanzânia queria lembrar que “slavery and colonialism are also responsible in a big
way, for poverty, underdevelopment, marginalization and economic disparity in Africa
and among the people of African descent in the diaspora” e, finalmente, o seu
colega de Lesotho culpou o tráfico e o colonialismo pelo subdesenvolvimento
africano, a pobreza, a dívida externa, as guerras civis e a falta de acesso dos
produtos africanos aos mercados internacionais19. Estas figuras argumentativas
entraram também no fundo ideário das organizações não-governamentais.
Argumenta, por exemplo, o “African Reparation Movement” (RU):
“There is an abundance of proof that Africa was the cradle of civilisation centuries
before the birth of Christ. As well as the architectural wonders of the Pyramids, the
Sphinx, the Luxor Palace etc. Africa was far ahead in medicine, agriculture and
transport. The ancient kingdoms of Songhai, Benin, Ashanti and others were
highly organised and were supported by ancient universities like Timbuctoo. At
this time Europe was undeveloped and America was non-existent. Africa’s
development was interrupted around the 14th century by the heinous
institutionalised enslavement. For a period of over 400 years, enslavement robbed
Africa of her best and strongest women, men and children. They were put in
chains like goods and chattel and transported to the Americas to plant cotton and
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sugar cane to export to Europe for the Industrial Revolution. The result of the
work of the enslaved was to enrich the countries of their “masters” whilst their
countries’ development was hampered.”20
Esta citação demonstra, com muita clareza, os problemas acarretados
recorrendo à História de uma maneira simplista e maniqueísta. É evidente que os
símbolos citados da civilização africana da época pré-tráfico eram altamente ligados
à escravidão africana e ao tráfico de escravos antes do surgimento do sistema
atlântico. O fato de que os monumentos egípcios foram construídos utilizando ampla
mão-de-obra escrava é bem conhecido. Muitos reinos pré-coloniais, como Songai
e Benim, citados no documento pela sua grandeza, usavam também escravos em
grande número, conduziam regularmente expedições armadas para a captura de
escravos nas comunidades vizinhas e mantinham um tráfico importante de escravos
com a África do Norte e o Próximo Oriente, através do deserto do Saara21. Estimase
que anualmente foram exportados cerca de 10.000 escravos pelas rotas
transaarianas antes da chegada dos Portugueses ao litoral da África Ocidental22.
O caso do citado reino de Asante, no atual Gana, é especialmente interessante,
porque surgiu como um dos grandes beneficiários do tráfico transatlântico de
escravos. Quando os portugueses chegaram pela primeira vez, em 1471, nos Akan,
na região que desde então foi chamada de Costa do Ouro, com o objetivo de
contornar o comércio transaariano de ouro e comprar diretamente das minas,
descobriram que umas das poucas mercadorias que os Akan aceitavam em troca
eram escravos. Entre 1500 e 1535, os portugueses compraram entre 10.000 e
12.000 escravos no reino de Benim (e nos Igbos vizinhos) para satisfazer a demanda
de mão-de-obra escrava na Costa de Ouro. Dentro deste contexto, surgiu o reino
de Asante como um Estado poderoso que sabia transformar as riquezas do comércio
em poder político e militar. O novo Estado, que chegou a conquistar os seus rivais
Akan, estabeleceu controle e monopólio sobre o comércio de escravos. Adquiriu
escravos em grande número, para uso interno e exportação, em guerras e como
tributo dos vizinhos não-Akan. No século XVIII, Asante, sendo um dos símbolos
de prosperidade africana pré-colonial, transformou-se em um dos grandes
beneficiários do tráfico transatlântico e certamente não pode ser considerado como
vítima deste comércio.
O exemplo Asante demonstra as limitações da discussão sobre culpa,
responsabilidade e lucro do tráfico apenas sob a perspectiva da participação
européia. A tragédia do tráfico transatlântico não consiste somente no fato de que
traficantes europeus compraram cerca de 11 milhões de africanos, transportandoos
em condições horrorosas e desumanas para o Novo Mundo, onde foram
explorados como mão-de-obra, negando-lhes os direitos básicos de uma existência
humana. A tragédia do tráfico consiste também, especialmente sob uma visão
moral e ética, na disposição de africanos de capturar e vender para os europeus
O OCIDENTE DEVERIA INDENIZAR AS VÍTIMAS DO TRÁFICO TRANSATLÂNTICO DE ESCRAVOS? 35
estes 11 milhões de irmãos23. “Atlantic slave trade was made possible”, argumenta
A. G. Hopkins, “by an alliance of European shippers and African suppliers, who
agreed, in effect, to exploit the less powerful people of the Continent.”24 O lado
africano desta aliança consistiu em reis, aristocracia e big men de Estados poderosos
e especializados na captura e venda de homens (como Asante, Daomé, os reinos
Ardra e Hueda no Golfo do Benin, os reinos de Ndongo, Kasanje e Lunda em
Angola), numa rede de grupos de traficantes e comerciantes (como por exemplo,
os Soninke na Senegambia, os Aro na Igbolândia, os Bobangi no rio Congo) e
comerciantes africanos e mestiços no litoral. Neste sistema africano de comércio,
um capturado passava, às vezes, por muitas mãos até chegar a ser embarcado
num navio europeu. Sabe-se de uma moça Igbo que foi vendida seis vezes em
menos de 200 quilômetros de viagem até a costa25. O lado europeu do sistema
transatlântico foi formado por traficantes de muitas nações (entre elas,
dinamarqueses e outros escandinavos, brandenburgueses, holandeses, portugueses,
brasileiros, espanhóis, franceses e ingleses). Como bem se conhece, o tráfico
transatlântico foi dominado sucessivamente pelos portugueses, holandeses e, a
partir do final do século XVII, pelos ingleses.
Mediante este sistema transatlântico foram embarcados, entre 1450 e 1900,
em torno de 13 milhões de pessoas; dentre estes 9,6 a 11,8 milhões chegaram com
vida nas Américas26. 42% delas foram para as ilhas do Caribe, 38% para o Brasil
e menos de 5% para os Estados Unidos. Durante o mesmo período, cerca de 6
milhões de africanos foram vendidos no tráfico oriental (para a África do Norte, o
Próximo Oriente e a Península Árabe, a Índia e as ilhas no Oceano Índico). Cerca
de 8 milhões de escravos permaneceram, também neste período, na própria África,
sendo explorados pelos poderosos deste continente. O tráfico transatlântico viu
seu apogeu em torno de 1800, enquanto em 1850 foi efetivamente abolido. O
tráfico oriental existiu desde antes do surgimento do Islã, expandiu a partir de 1750
e teve o seu clímax em torno de 1850. A partir de 1830/1850 a escravidão e o
tráfico se transformaram em fenômenos predominantemente africanos. Com o
fim da exportação de escravos para as Américas, eles chegaram a ser usados em
grande número no próprio continente. Enquanto a população escrava na África e
no Novo Mundo, calcula-se, era aproximadamente a mesma entre 1600 e 1800, a
partir de 1850 existiam mais escravos na África do que nas Américas. Os poderosos
traficantes e guerreiros se tornaram latifundários, produzindo, com a utilização de
mão-de-obra escrava, para os mercados domésticos e do exterior. Novos Estados
surgiram, como o Califado de Sokoto no norte da atual Nigéria, que desenvolveram
uma economia complexa e cresceram em riqueza em função dos seus escravos,
capturados, no caso de Sokoto, em assaltos brutais aos povos vizinhos não-islâmicos.
Estas sociedades escravistas do século XIX experimentaram, todavia, o mesmo
tipo de resistência como o Novo Mundo: de rebeliões de escravos a quilombos27.
36 WOLFGANG DÖPCKE
É importante reconhecer que o Novo Mundo se tornou a destinação mais
importante, e certamente a mais dinâmica, do tráfico, sem ser, porém, a única.
Existia um tráfico ocidental de grandes proporções, assim como havia o tráfico e a
escravidão dentro da própria África. Nas discussões em Durban, os delegados
africanos recusaram-se a tratar o tráfico fora do sistema atlântico com o mesmo
rigor moral e com as mesmas categorias éticas universalistas do que o tráfico
transatlântico. Embora as ONGs tenham feito uma tentativa de incluir os tráficos
do Saara e do Oceano Indico na denúncia como crimes contra a humanidade, nos
discursos no plenário este lado ficou ausente. Os delegados africanos justificaram
esta ausência pelo que consideraram como diferenças fundamentais entre
escravidão africana e o sistema atlântico: “It’s like apples and oranges”, explica o
ministro de Justiça da Costa do Marfim. “In Africa, you are talking about “subsistence
slavery” between neighbours. One people would go to war against their enemy.
They would take prisoners and make them work on their plantations or work as
domestic servants. But nothing to the degree of the trans Atlantic slave trade.
(...).”28
A escravidão e a venda de escravos existiram em muitas sociedades
africanas antes do início do sistema atlântico. Mas isto não significa que a venda
de escravos através do Atlântico representasse uma simples continuação do
comércio anterior. Os escravos foram “feitos” em função da demanda externa, e
as sociedades africanas – mais exatamente as classes governantes daquelas
sociedades que se haviam especializado na venda de escravos – adaptaram as
suas instituições para satisfazer esta demanda. No início do processo, dava-se a
captura da vítima ou a transformação de um homem livre em escravo por outros
mecanismos. Os escravos eram adquiridos pelos seguintes meios: guerra, saque e
ataque regular (os dois métodos mais comuns), seqüestro, condenação nos tribunais,
acusação de bruxaria, como tributo, pela transformação de outras relações de
dependência em escravidão ou também, mas não freqüentemente, como resultado
de auto-escravização. Alguns escravos vendidos já nasciam escravos. A captura
e a comercialização, no continente africano, estavam nas mãos de traficantes
africanos, desde os poderosos dirigentes estatais até pequenos intermediários.
Sempre, o tráfico dependia dos Estados africanos pré-coloniais e das decisões das
suas classes dirigentes. A rede africana de captura e comercialização de seres
humanos era altamente organizada e eficiente. A participação africana não se
reduzia à “colaboração individual”, como foi sugerido por alguns historiadores29,
mas tinha o mesmo carater sistemático e duradouro da participação européia.
A relação entre os traficantes africanos e europeus “was not that of employer and
employee, but of two complementary and more or less equal partners”, argumenta
A. G. Hopkins30. Os africanos conseguiam barrar efetivamente a entrada dos
europeus no continente ou a formação de monopólios de compra no litoral.
O OCIDENTE DEVERIA INDENIZAR AS VÍTIMAS DO TRÁFICO TRANSATLÂNTICO DE ESCRAVOS? 37
Quem lucrou com o tráfico transatlântico? Esta questão abrange várias
dimensões. Inicialmente, é importante ressaltar que houve muito lucro no plano
individual. Os “proprietários” dos escravos no Novo Mundo se beneficiaram com
a mão-de-obra das vítimas, bem como o fizeram os proprietários de escravos na
própria África e no Oriente Próximo e Médio. Os barões de açúcar na ilha
(britânica) da Jamaica acumularam fortunas de grande porte e ostentavam as suas
riquezas, assim como os plantadores escravistas de algodão no sul dos Estados
Unidos. O tráfico trouxe lucro para os capitães europeus dos navios. Entretanto,
os lucros eram menos astronômicos do que comumente pensado: uma média de
10%, comparável com outras atividades de comércio da época3 1. Lucraram também
os comerciantes africanos ou afro-europeus radicados no litoral do continente
africano. Por exemplo, o famoso Francisco Felix de Souza (o Chachá de Souza),
traficante baiano, efetivamente africanizado, em Uidá (Daomé), acumulou uma
fortuna que na época foi estimada em 120 milhões de dólares32. E se beneficiaram
ainda, em termos de mercadoria, prestígio, poder e seguidores, os dirigentes e big
men das sociedades africanas que decidiram capturar e vender os seus irmãos
africanos.
Os escravos representavam, na época, para os proprietários das plantações
e latifúndios do Novo Mundo a mão-de-obra mais barata disponível. Mas isto não
significa que os africanos venderam os cativos por bugigangas. No século XVIII,
por exemplo, as mercadorias – a serem trocadas por escravos – representavam
cerca de dois terços dos custos de uma viagem de um navio escravista. Escravos
foram trocados no litoral africano basicamente pelos mesmos produtos que o sistema
atlântico vendeu para os colonos brancos nos Estados Unidos: têxteis, ferro,
instrumentos agrícolas, armas, bebidas alcoólicas, entre outros33.
Mas a discussão sobre o benefício do tráfico e da escravidão vai muito
além do lucro individual. Argumenta-se, entre os reparacionistas, de que teria existido
um vínculo direto entre a escravidão no sistema atlântico, e os seus lucros, e a
riqueza atual do Ocidente. Esta suposição leva a outra área de grande debate
historiográfico na qual não existe consenso entre os experts. Em relação aos Estados
Unidos, os críticos da idéia de reparações argumentam que não há ligação direta
entre as fortunas dos donos de escravos no Sul (que teriam representado em torno
de 10% da população da época) e a industrialização (responsável pela economia
rica e diversificada do século XX) dos Estados Unidos. Pelo contrário, argumentase
que a escravidão e o poder dos escravistas do Sul (retrógrados econômica,
social e politicamente e, per se, mercantilistas, anti-modernistas e anti-liberais)
tinham que ser quebrados para permitir o triunfo da industrialização no país. Esta
derrubada do setor escravista teria sido realizada pela Guerra Civil (1861-1865),
com custos de vida enormes nos dois lados e destruindo muitas das fortunas
acumuladas no Sul durante o período da escravidão.
38 WOLFGANG DÖPCKE
A outra área de grande debate sobre um possível vínculo entre as riquezas
do Ocidente e a escravidão se refere à suposta contribuição do sistema atlântico
para a industrialização inglesa – pioneira na indústria moderna. Desde a publicação,
em 1944, do influente livro do historiador – e posterior Primeiro Ministro – de
Trinidad, Eric Williams, intitulado: “Capitalismo e Escravidão”, esta questão vem
fascinando os historiadores, ainda que não tenha gerado um mínimo de consenso
na comunidade acadêmica34. Numa primeira reação, a tese de Williams de que os
lucros da escravidão no Caribe inglês (principalmente na ilha açucareira da Jamaica)
e do tráfico de escravos tenham contribuído significativamente para o crescimento
do capitalismo industrial na Inglaterra no final do século XVIII, foi rejeitada.
Descobriu-se que o capital inicial da industrialização inglesa vinha da agricultura e
do comércio com a Europa e não do sistema atlântico35. Este enfoque na questão
da geração de capital é considerado insuficiente pelos modernos discípulos de
Williams. Argumentam que se fossem consideradas todas as atividades econômicas
no sistema atlântico, juntamente com as repercussões (linkages) na Inglaterra e
todos os lucros destas atividades, o complexo do açúcar nas ilhas do Caribe teria
contribuído, ao final do século XVIII, com algo em torno de 8 a 10% da renda
nacional britânica36. Porém, os adversários questionam seriamente estes cálculos
– da mesma maneira com que, à época, Adam Smith já criticara o sistema colonial
como ineficiente – e enfatizam que nem o trafico nem a escravidão teriam gerado
lucros para Grã-Bretanha37. Argumenta-se também que os custos sociais da
manutenção do sistema atlântico e a concessão de privilégios, subsídios e proteção
mercantilista para os barões de açúcar no Caribe, teriam eliminado qualquer
possibilidade de lucro para a sociedade inglesa38. Posições intermediárias surgiram
no debate39, que também oscila quanto ao enfoque temático, privilegiando
ultimamente mais a questão de mercados, produtos e cultura no lugar de capital40.
Trata-se, contudo, de um debate aberto, sem consenso, baseado em poucos hard
facts e dados empíricos seguros. É um debate que deixa as questões chaves mais
indecisas do que permite um postulado de verdades simples, e cujas conclusões
não servem para apoiar nem as teses dos reparacionistas nem as dos seus
adversários.
Quem são os descendentes atuais das vítimas do tráfico? Esta questão
também é mais complexa do que os reparacionistas, que simplesmente equiparam
os africanos na diáspora bem como o continente africano como legítimos
descendentes das vítimas diretas, habilitados a receber as reparações, alegam. As
dificuldades da identificação dos que teriam direito à reparação nos Estados Unidos,
onde a comunidade negra é bastante diferenciada socialmente, estão condensadas
na pergunta do atual Secretário de Estado, Colin Powell, se ele receberia indenização
ou iria pagá-la. Vimos, também, que na África não houve somente vítimas mas
também beneficiados pelo tráfico e pela escravidão. Da mesma forma que deve
existir no sul dos Estados Unidos uma certa continuidade entre as elites do período
O OCIDENTE DEVERIA INDENIZAR AS VÍTIMAS DO TRÁFICO TRANSATLÂNTICO DE ESCRAVOS? 39
escravista e posterior, podemos, por exemplo, encontrar muitos descendentes de
traficantes ou donos de escravos nas altas camadas do Estado e da sociedade na
Haussalândia, no Norte da Nigéria. Mesmo entre as pessoas mais comuns na
África atual, encontram-se muitos descendentes dos envolvidos no tráfico. Podemos,
ainda, pensar nos milhares de descendentes dos oitenta filhos homens de Chácha
de Souza no atual Benin, certamente na sua maioria homens comuns mas, mesmo
assim, descendentes de um dos maiores traficantes de escravos de todos os tempos.
Eles têm direito à indenização ou reparação? Para escapar deste dilema, os
reparacionistas argumentam que o continente africano como um todo teria sofrido
as conseqüências desastrosas do tráfico transatlântico e que o atual
subdesenvolvimento do continente se explicaria pelo rapto da sua população durante
quase 400 anos.
É inquestionável que se tem no tráfico transatlântico, como na exportação
de escravos para outras regiões e na ampliação da escravidão no próprio continente,
uma das grandes tragédias da humanidade, que, severamente, afetaram as
sociedades atingidas. Mas associar o tráfico com transformações mais sistemáticas
e profundas, como desenvolvimento, crescimento econômico ou tecnologia, logo
alcança os limites da nossa compreensão. Já a questão mais óbvia – as
conseqüências demográficas – revela-se de muita complexidade e está sujeita a
interpretações polêmicas. O tráfico causou um declínio da população na África ou
somente uma estagnação? Os especialistas não têm respostas consensuais. Existem
vários cálculos e projeções, envolvendo variáveis como o fluxo das pessoas, taxas
de fecundidade, possíveis compensações pela introdução de alimentos mais
produtivos e nutritivos (milho e mandioca) e pela poligamia, uma vez que foram
levados para as Américas principalmente homens41. O efeito variava também
dramaticamente entre as regiões. Há relatos de regiões cujas populações foram
devastadas pelo tráfico (mas, por vezes, com uma rápida recuperação depois da
abolição), assim como existem grande áreas jamais atingidas, e que tiveram, ao
longo tempo, uma dinâmica populacional e um grau de desenvolvimento tecnológico
idênticos às regiões de fornecimento de escravos.
E o que significa estagnação do crescimento populacional para o
desenvolvimento em sociedades agrárias? No contexto da industrialização precoce
da Grã-Bretanha, no final do século XVIII, o crescimento populacional ampliava o
mercado interno e fornecia a mão-de-obra necessária para o take-off. Ao contrário,
na China da Dinastia Ch’ing o alto crescimento populacional levou a sociedade do
século XIX ao superpovoamento, fomes e guerras civis. No contexto das sociedades
agrárias subdesenvolvidas da atual África, crescimento populacional acentuado
certamente aumenta a demanda por recursos escassos. Estabelecer um vínculo
de argumentação entre tráfico de escravos e subdesenvolvimento da África não é
fácil, não é consensual e certamente não pode ser suposto a priori. Mas parece
certo que o êxodo das suas populações, as grandes redes comerciais mantidas em
40 WOLFGANG DÖPCKE
função disto e as riquezas criadas no continente pelo comércio em seres humanos
não estimularam muita mudança na África. Econômica e tecnologicamente, a África
de 1850 parecia muito com a de 1500.
Escravidão do passado versus direitos humanos de hoje?
Um último argumento deve ser trazido a este raciocínio histórico, voltandose,
assim, à atualidade e à Conferência de Durban. Na medida em que a discussão
sobre reparação estimula uma reflexão sobre escravidão, injustiça social e
discriminação racial atual, ela deve ser considerada altamente desejável e positiva.
Observa-se esta repercussão positiva no Brasil. Lamentavelmente, na Conferência
de Durban aconteceu o contrário. O polêmico tema das reparações de um mal que
aconteceu há 300 anos atrás desviou as atenções do “Racismo, (d)a Intolerância
Racial, (d)a Xenofobia e (d)a Intolerância Correlata” da atualidade. A leitura das
atas e das comunicações da Conferência deixa uma forte impressão de que a
insistência dos Estados africanos com o tráfico transatlântico do passado se impôs
sobre as preocupações da grande maioria das ONGs com racismo, xenofobia e
desrespeito aos direitos humanos da atualidade.
O tratamento da escravidão atual na África é sintomático deste desvio de
foco da atualidade, e com isto, da responsabilidade direta dos governos africanos.
Quando as Nações Unidas comemoraram no dia 23 de agosto o “International
Day for the Remembrance of the Slave Trade and its Abolition” tiveram de admitir
que, hoje em dia, mais pessoas estão sendo escravizadas e traficadas do que no
auge do sistema atlântico. A ONU fala em 700.000 pessoas por ano e a Anti-
Slavery International estima o número total de escravos hoje em dia em 27 milhões,
o que seria muito mais do que todos os escravos levados para as Américas4 2.
Cenas bizarras acontecem na África de hoje, enquanto os Estados africanos insistem
em reparações pelo tráfico transatlântico do passado, e o ministro de Justiça do
Sudão, Ali Mohamed Osman Yassin43, condena o tráfico (transatlântico do passado)
como “appalling tragedy in its abhorrent barbarism, enormous magnitude,
institutionalized nature (...) and particularly in its negation of the essence of the
victims”. Grupos de direitos humanos dos Estados Unidos compram e liberam
escravos em grande número no Sudão. Um grupo, o Christian Solidarity International,
afirma ter liberado mais do que 4.000 escravos, que tinham sido capturados pelas
milícias aliadas do governo do Sudão. Este governo, aliás, mantém a posição de
que não se trata de escravos, mas de vítimas de seqüestros44.
O enfoque no tráfico de escravos do passado encobriu também,
efetivamente, o tema das perseguições étnicas e raciais e da politização da
etnicidade pelos governos, especialmente no continente africano, práticas comuns
que causam um número imenso de vítimas no continente. A isto se associa a
questão da legitimidade e da credibilidade. É certamente muito difícil digerir a
O OCIDENTE DEVERIA INDENIZAR AS VÍTIMAS DO TRÁFICO TRANSATLÂNTICO DE ESCRAVOS? 41
insistência do Presidente de Zimbábue, Robert Mugabe, em indenizações pelo
sofrimento do tráfico transatlântico enquanto mais de 20.000 vítimas e seus parentes,
civis e inocentes, da campanha contra o povo dos Ndebele e a ZAPU, conduzida
pela Quinta Brigada (“Gukarahundi”) em 1983, nem ouviram desculpas ou
receberam indenizações45. Esta falta de legitimidade em levantar questões de moral
e ética pode ser constatada em respeito a vários dos Chefes de Estados africanos
reunidos em Durban. Mas isto não significa que a discussão de reparações per se
seria condenável. Entretanto, na medida em que é instrumentalizada para desviar
as nossas preocupações com “os males do presente”, esta discussão se revela
altamente retrógrada e desumana.
Conclusão
O Ocidente deveria indenizar as vítimas do tráfico transatlântico de
escravos? Quais seriam as conclusões deste ensaio? Em primeiro lugar, ficou
evidente que o problema se apresenta com muito mais complexidade que aparece
no debate público, seja no lado dos reparacionistas seja no lado dos seus opositores.
É necessário diferenciá-lo entre três situações distintas: o tráfico negreiro em si
(que é o enfoque deste ensaio), a escravidão no Novo Mundo e a questão do
colonialismo. Embora historicamente com vinculações, cada um dos problemas
leva a discussões e a possíveis repercussões políticas específicas na atualidade.
Da mesma maneira, é importante diferenciar entre reparações (com o objetivo de
melhorar a situação coletiva de uma comunidade na atualidade) e indenizações
financeiras individuais, uma abordagem considerada problemática e inadequada à
gravidade do problema aqui apresentado.
Neste ensaio foi apontada também a problemática, envolvendo indenizações
com respeito a um passado relativamente distante. Foi argumentado que, sob a
perspectiva de um discurso moral e ético acerca da culpa e da responsabilidade,
demonstraria uma ausência de honestidade, culpando-se exclusivamente “o
ocidente” e não levando em consideração os traficantes africanos e as outras
regiões do mundo, receptores de escravos africanos, como partes integrantes desta
grande tragédia da humanidade.
Com certeza, a culpa histórica do continente africano, em função da
participação das suas elites no tráfico, não diminui em nada a culpa dos demais
envolvidos, como o Ocidente. Os Estados Unidos e o Brasil têm todo direito e
obrigação de decidir – independentemente de haver ou não uma culpa dos demais
envolvidos –, num debate amplo e profundo, que são devedores, moral e
financeiramente, dos descendentes do escravos. Neste debate, contudo, dificilmente
pode-se recorrer a um argumento historiográfico de culpa exclusiva de “ocidente”.
O enfoque exclusivo na “culpa única” do ocidente emprega imagens e figuras de
raciocínio que correspondem, na sua versão mais moderna, à idéia de que a atual
42 WOLFGANG DÖPCKE
miséria da África é exclusivamente da responsabilidade do Primeiro Mundo,
livrando, assim, as elites africanas atuais da própria culpa em termos de guerra,
pilhagem, corrupção e desgoverno. Ligado a isto, foi apontada a possível e lamentável
tendência no discurso sobre reparação, especialmente quando aparece como um
problema das relações internacionais do continente africano com os países do
ocidente de, efetivamente, substituir o combate às atuais injustiças pela indenização
àquelas do passado. Esta tendência revela o grande perigo da discussão sobre
indenização: desvia nossas atenções dos “males” de hoje e permite às elites
africanas se projetarem como legítimos representantes das vítimas do passado4 6.
Na medida em que as elites africanas monopolizem o discurso sobre escravidão e
consigam apropriá-lo para servir seus interesses políticos e econômicos, existe o
perigo que os fracos e pobres no continente africano se tornem, mais uma vez,
vítimas deste tráfico – desta vez, da apropriação da sua memória histórica.
Para não deixar dúvidas, reitera-se que não se argumenta que o continente
africano não devesse receber recursos financeiros do Ocidente – pelo contrário.
Mas estes recursos não deveriam chegar às mãos das atuais elites sem cláusulas
sociais e nem se devem basear em visões maniqueístas do mal de um distante
passado, mas sim ser orientados por princípios universais de solidariedade humana,
correspondendo às necessidades atuais da população do continente em termos de
desenvolvimento e de garantia de uma vida digna. Da mesma maneira, é essencial
que as sociedades multiétnicas do Novo Mundo, como o Brasil, façam um grande
esforço para realizar a igualdade racial, prometida há tanto tempo, mas não para
principalmente indenizar um mal do passado, mas porque a situação atual dos
negros, e de outras populações marginalizadas, fere fundamentalmente os princípios
de igualdade racial, um dos princípios básicos da nossa ordem moral e ética.
Outubro de 2001
Notas
1 Por exemplo, a Câmara Municipal da Cidade de Chicago votou quase por unanimidade em favor
de reparações.
2 Os “precedentes” assumem também um lugar de destaque nos discursos dos delegados de
Estados africanos na Conferência de Durban. Lamentaram, como Ministro das Relações Exteriores
do Quênia, que “while all [sic] other groups of victims of the worst crimes agianst humanity
have been adequately [sic] redressed for their torment, Africans have not, (...).” Christopher
Obure, minister of Foreign Affairs of Kenya, United Nations, Press Release, Plenary, 2 September
2001, RD/D/24, http.....
3 Marable, M.; TBWT Commentary, The Black World Today, 2001.
4 Veja por exemplo: Horowitz, David: 10 Reasons Why Reparations For Blacks Are A Bad Idea
For Blacks, And Racist, Too, http://www.frontpagemag.com/dh/2000/dh05-31-00.htm.
Goldberg, Jonah: The U.N.’s Racism Sham and Old Canards, National Review Online, 1/8/
2001. http://www.nationalreview.com.
O OCIDENTE DEVERIA INDENIZAR AS VÍTIMAS DO TRÁFICO TRANSATLÂNTICO DE ESCRAVOS? 43
5 Novick, P.; Nach dem Holocaust. Der Umgang mit dem Massenmord, Stuttgart/München 2001
(orig. the Holocaust in American Life, 1999), p. 252.
6 Declaring the Slave Trade a Crime Against Humanity: The Moral and Legal Basis for Reparations,
By Ron Daniels, The Black World Today, 2001.
7 Activists want slavery declared ‘holocaust’, de Richard Waddington, News 24.com, 01/06/
2001.
8 The Sowetan, 4/9/2001
9 Daily Mail & Guardian, 10/9/2001.
10 Business Day (Johannesburg), 5/1/2001.
11 “Brasil na liderança”, Jornal do Brasil, 4/9/2001.
12 “Legado da escravidão continua, diz Gregori”, estado.com.Br, 2/9/2001. “Credenciados pelo
governo protestam contra FHC”, estadao.com.br, 5/9/2001. United Nations, Press Release RD/
D/21, 1/9/2001.
13 RELATÓRIO DO COMITÊ NACIONAL PARA A PREPARAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO
BRASILEIRA NA III CONFERÊNCIA MUNDIAL DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O
RACISMO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, XENOFOBIA E INTOLERÂNCIA CORRELATA
(DURBAN, 31 DE AGOSTO A 07 DE SETEMBRO DE 2001), agosto de 2001 – Ministério
da Justiça, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos.
14 Veja: Declarações dos representantes do Núcleo de Estudos Negros, do Centro de Estudos e
Defesa do Negro do Pará e da União de Negros pela Igualdade no Plenário, United Nations Press
Release, RD/D/44, 7/9/2001. É também importante ressaltar que no Brasil existem muitas
iniciativas de enfrentar o legato da escravidão na forma de indenizações. Está por exemplo
tramitando no Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL No. 3198/2000) do Deputado Paulo
Paim, que prevê, entre outros itens, o pagamento, a título de reparação a cada descendente Afro-
Brasileiro a valor de R$ 102.000,000.
15 O estudo do sistema atlântico, do trafico de escravos e da escravidão no Novo Mundo e da
Abolição tem se desenvolvido em um dos campos mais inovadores e produtivos da historiografia.
Veja as discussões bibliográficas: Lovejoy, Paul E.: The Impact of The Atlantic Slave Trade on
Africa: A Review of the Literature, 1989. Klein, Herbert, S.: Neuere Interpretationen des
atlantischen Sklavenhandels, (Geschichte und Gesellschaft, 16, 1990, pp. 141-160.
16 Veja por exemplo: “The legal basis of the claim for Reparations”, by Lord Anthony Gifford,
British Queens Counsel and Jamican Attorney-at-Law, paper presented to the First Panafrican
Congress on Reparation, Abuja 1993.
17 Human Rights Watch; An approach to reparations, 19/7/2001.
18 Veja, por exemplo: NGO Forum Declaration, 3/9/2001, www.allafrica.com, 3/9/2001.
19 Declarations in plenary, WCAR, United Nations, Press Releases, 2/8/2001-6/9/2001.
20 African Reparations Movement (UK): Frequently Asked Questions. http://the.arc.co.uk/arm/
home.html
21 Para uma discussão em português no Reino de Benim veja: Costa e Silva, Alberto de, A Enxada
e a Lança. A África antes dos Portugueses, Rio de Janeiro, Editoria da USP, Editoria Nova
Fronteira, 1992, pp. 628.
22 Manning, P.: Slavery and African Life: Occidental, Oriental, and African Slave Trades, Cambridge:
Cambridge Univ. Press, 1990.
23 A metáfora do “irmão” vem de uma imagem central do movimento abolicionista inglesa do final
do século XVIII, popularizada em medalhas feitas por Josiah Wedgwood, o famoso ceramista.
Veja entre outros: Jakobsson, S.: Am I not a Man and a Brother? British Missions and the
Abolition of the Slave Trade and Slavery in West Africa and West Indies, 1786-1838, Lund:
Gleerup, 1972
44 WOLFGANG DÖPCKE
24 Hopkins, A. G.; An Economic History of West África, London (Longman) 1973, p. 106.
25 Iliffe, J.: Africans. The History of a Continent, Cambridge: CUP, 1995.
26 Curtin, P. D.: The Atlantic Slave Trade. A Census, Madison, Wisc.: The University of Wisconsin
Press, 1969. Lovejoy, Paul E.: The Impact of The Atlantic Slave Trade on Africa: A Review of
the Literature, JAH, 30, pp. 265-294, 1989. Lovejoy, Paul E.: The Volume of The Atlantic Slave
Trade: A Synthesis, JAH, 23, 4, 1982, pp. 473-501. Manning, P.: Slavery and African Life:
Occidental, Oriental, and African Slave Trades, Cambridge: Cambridge Univ. Press, 1990.
27 Manning, P.: Slavery and African Life: Occidental, Oriental, and African Slave Trades, Cambridge:
Cambridge Univ. Press, 1990. Iliffe, J.: Africans. The History of a Continent, Cambridge: CUP,
1995. Lovejoy, P. E.: Plantations in the Economy of the Sokoto Caliphate, JAH, 19, 3, 1978,
pp. 341-368.
28 Cote d’Ivoire A Xenophobic Nation? No Way, Says Justice Minister, entrevista, allAfrica.com,
7/9/2001.
29 Veja: Contribuição do Chris Lowe na Lista de Discussão H-Africa, 11/4/2001. H-Africa@HNET.
MSU.EDU.
30 Hopkins, A. G.; An Economic History of West África, London (Longman) 1973, pp. 78.
31 Klein, Herbert, S.: Neuere Interpretationen des atlantischen Sklavenhandels, (Geschichte und
Gesellschaft, 16, 1990, pp. 141-160.
32 Verger, P.: Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os
Santos dos Séculos XVII a XIX, São Paulo: Ed. Corrupio, 1987. Guran, Milton; Agudas. Os
“Brasileiros” do Benin, Rio de Janeiro 1999.
33 Klein, Herbert, S.: Neuere Interpretationen des atlantischen Sklavenhandels, (Geschichte und
Gesellschaft, 16, 1990, pp. 141-160.
34 Williams, E.: Capitalismo e Escravidão, Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1975,
orig. Capitalism and Slavery, Chapel Hill 1943.
35 Entre outros: Engerman, S.L.; The Slave Trade and British Capital Formation in the Eighteenth
Century: A Comment on the Williams thesis, in: Business History Review 46, 1972, pp. 430-
43.
36 Entre outros: Sheridan, R.B.:The Wealth of Jamaica in the Eighteenth Century, Econ. Hist.
Review, vol. XVIII, 1965.
37 Anstey, R.: The Atlantic Slave Trade and British Abolition, 1760-1810, Cambridge 1975.
38 Thomas, R.P.: The Sugar Colonies of the Old Empire: Profit or Loss for Great Britain, Econ.
Hist. Review, vol. XXI, 1968.
39 Drescher, S.: Econocide: British Salvery in the Era of Abolition, Pittsburgh, 1977. Manning, op.
cit.
40 Davies, R. The Industrial Revolution and British Overseas Trade, Leicester, 1979. Mintz, S.W.:
Sweetness and Power. The Place of Sugar in Modern History, New York: Elisabeth Sifton
Books. Viking, 1985.
41 Veja entre outros: Manning, op.cit, que apresenta cálculos e projeções bem detalhados, porém
exagerando o efeito demográfico do tráfico. Fage, de outro lado, parece ter subestimado a perda
demográfica, argumentando que “in West Africa it seems unlikely that the export slave trade
would have had any dramatically adverse effect on the size of the population as a whole.” (Fage,
J.; A History of África, London 1978. Veja também Iliffe, op.cit., que, mesmo sendo um dos
scholars mais acentuados na demografia histórica da África, admite grandes lacunas no nosso
conhecimento, mas argumenta que o tráfico de escravos tinha sido um desastre demográfico,
mas não uma catástrofe.
42 “UN Celebrate End of Slave Trade As Record Number Trafficked”, Press Release, 22/8/2001.
Anti-Slavery International, Web Page. Veja também as publicações do ILO sobre tráfico de seres
humanos e trabalho forçado.
O OCIDENTE DEVERIA INDENIZAR AS VÍTIMAS DO TRÁFICO TRANSATLÂNTICO DE ESCRAVOS? 45
43 United Nations, Press Release, RD/D/24, 2/9/2000.
44 UN Integrated Regional Information Network: “Khartoum Reiterates That “No Slavery Exists”,
17/8/2001. The Boston Globe: “In campaign to liberate Sudan’s child slaves, money talks”, 19/
2/1995. Reuters: “UNICEF Criticizes Buying Freedom for Sudan Slaves”, 5/2/1999.
45 O relatório sobre os massacres em Matabelelândia, feito pela “Zimbabwe Catholic Commission
for Justice and Peace” pode ser consultado na web page do Electronic Mail and Guardian
(África do Sul) (http://www.mg.co.za/mgnews/97may1/zimreport1.html).
46 O representante do Zimbábue na Conferência, o Ministro de Justiça, P.A. Chinamasa, por
exemplo alegou no seu pronunciamento de falar em nome não só dos negros na África e na
diáspora, mas de todos os negros do mundo. United Nations Press Release, RD/D/27, 3.9.2001.
Resumo
Este artigo discute um dos tópicos mais polêmicos da recente Conferência
das Nações Unidas contra o Racismo – a questão do pagamento de reparações
para as vítimas do tráfico transatlântico de escravos – num contexto histórico
amplo e profundo. Argumenta-se que a historiografia da escravidão e do tráfico
apresenta um quadro complexo de envolvimento que não permite uma simples
projeção de responsabilidade exclusiva nesta tragédia humana. Quando apresentado
como mais um projeto de transferência de recursos dos países ocidentais para a
África, a reivindicação de pagamentos de reparações está apresentada como
problemática e pouco viável. Quando se trata como um aspecto de políticas publicas
de combater a discriminação da população negra em países multietnicos, é
considerada mais justificável e promissora.
Abstract
This article discusses – from a historiografic perspective – one of the most
controversal themes of the recent United Nations Conference on Racism: the
question of reparations for the victims of the transatlantic slave trade. It is argued
that the historiografic debate does not allow for a simple projetion of responsibility
in this immense human tragedy. As far as reparations are presented as a project to
transfer resources to the African continent it is considered as being very problematic
and less justifiable, whereas as a measure to combat racism in multi-ethnic societies
it could be more appropriate.
Palavras chaves: Tráfico de escravos. Escraividão. Racismo.
Key Words: Slave trade. Slavery. Racism.