Não sou
uma mulher? Mulheres negras, gente ou bicho?
Publicado
há 4 dias - em 22 de março de 2016 » Atualizado às 11:36
Categoria » Mulher Negra · Violência Racial e Policial
Categoria » Mulher Negra · Violência Racial e Policial
“Aquele homem ali diz que mulheres têm que ser
ajudadas para subir nas carruagens, e levantadas sob as valetas, e ter o melhor
lugar onde seja. Ninguém nunca me ajuda a subir em carruagens, ou sobre
lamaçais, ou me dá lugar melhor nenhum! Não sou eu uma mulher? Eu dei à luz
treze crianças, e vi quase todas serem vendidas para escravização, e quando eu
chorei meu pesar de mãe, ninguém além de Jesus me ouviu! Não sou eu uma
mulher?”
Por
Emanuelle Goes* para a Revista Afirmativa
(Sojourner
Truth, 1851)**
Evocando o discurso de Sojourner
de 1851, começo a minha reflexão sobre o que somos, alem de um saco preto
arrastado no asfalto. Já se passaram dois anos e é como se nada tivesse
acontecido, faz dois anos que Claudia Ferreira foi assassinada brutalmente,
sendo arrastada como um saco preto sobre o asfalto.
Mulher negra será que é gente? Os
direitos humanos são para nós? Toda vez que vejo a imagem de Claudia sendo
arrastada como saco pelo carro da policia penso, por quanto tempo ainda vamos
ser tratadas como bicho, objeto qualquer coisa desse tipo, menos como humana. E
o discurso de Sojourner segue tão atual.
Quem são os humanos e não
humanos, Maria Lugones (2014) reflete que os povos indígenas das Américas e
os/as africanos/as escravizados/as eram classificados/as como espécies não
humanas – como animais, incontrolavelmente sexuais e selvagens. O homem
europeu, burguês, colonial moderno tornou-se um sujeito/ agente, apto a
decidir, para a vida pública e o governo, um ser de civilização, heterossexual,
cristão, um ser de mente e razão. A mulher europeia burguesa não era entendida
como seu complemento, mas como alguém que reproduzia raça e capital por meio de
sua pureza sexual, sua passividade, e por estar atada ao lar a serviço do homem
branco europeu burguês.
Somos todas Claudia? Experimentar
a negritude feminina é algo intransferível.
As vivências das mulheres negras
nesta sociedade é estruturada pela raça, sim ela vem
primeiro, porque somos o saco negro que chega. Qual o peso do racismo sobre
nossos corpos e o atravessamento do machismo e do patriacarlismo em nossas vidas,
essas opressões não são aditivas são multiplicativas, juntas agudizam o ser
mulher negra na sociedade com pressupostos estruturantes como esses.
Patricia Hill Collins (1998) e
Ochy Curiel (2014) me ajudam a pensar quando dizem que a chamada matriz de
dominação envolve a compreensão de como o racismo interagem, a heterossexualidade, colonialismo e classismo, e
integra quatro características: Elementos estruturais, tais como leis e
políticas institucionais; aspectos disciplinares, como hierarquias
burocráticas; elementos hegemônicos ou idéias e ideologias; e aspectos
interpessoais, práticas discriminatórias comum na experiência cotidiana.
Evidenciando isso, o Mapa da
Violência de 2015 mostrou que entre 2003 e 2013 as taxas de homicídio de
brancas caíram de 3,6 para 3,2 por 100 mil – queda de 11,9% –, enquanto as
taxas entre as mulheres e meninas negras cresceram de 4,5 para 5,4 por 100 mil,
aumento de 19,5%. Esses dados demonstram que as mulheres negras não estão sendo
atingidas pelas políticas publicas de enfrentamento a violência contra a
mulher, ou seja, essas políticas não reconhecem a situação de vulnerabilidade
vivida pelas mulheres negras que são
incrementadas pelo racismo.
O olhar por meio do feminismo interseccional nos obriga a pensar,
entender e agir desde esta perspectiva, em que não se trata de descrever que
são mulheres negras, mas de entender porque são mulheres negras, que para alem
de categoria analítica, são experiências vividas.
Referências
OCHY
CURIEL PICHARDO. Construyendo metodologías feministas desde el feminismo
decolonial. In: Otras formas de (re)conocer. Reflexiones, herramientas y
aplicaciones desde la investigación feminista. Organizadoras: Irantzu Mendia
Azkue, Marta Luxán, Matxalen Legarreta, Gloria Guzmán, Iker Zirion, Jokin
Azpiazu Carballo, 2014
PATRICIA
HILL COLLINS. “La política del pensamiento feminista negro”, en NAVARRO,
Maryssa y Catherine
STIMPSON
(comps.): ¿Qué son los estudios de Mujeres?, Fondo de Cultura Económica,
México, 253-312. 1998.
MARÍA
LUGONES. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v.
22, n. 3, jan. 2015.
*Blogueira, Enfermeira,
Coordenadora do Programa de Saúde das Mulheres Negras – Odara Instituto da
Mulher Negra, Doutoranda em Saúde Pública (ISC/UFBA). (emanuellegoes@gmail.com)
**discurso
foi proferido como uma intervenção na Women’s Rights Convention em Akron, Ohio,
Estados Unidos, em 1851.
Leia
Também:
Leia a matéria completa em: Não sou uma mulher? Mulheres negras, gente ou bicho? - Geledés http://www.geledes.org.br/nao-sou-uma-mulher-mulheres-negras-gente-ou-bicho/#ixzz443pcMiuh
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