Sobre ser
negro e gay
Publicado
há 1 dia - em 7 de abril de 2016 » Atualizado às 10:05
Categoria » LGBTI
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Certa vez
me perguntaram qual identidade foi mais difícil de lidar: ser gay ou ser negro?
Na época respondi que, por meus pais serem negros, descobrir-me gay foi mais
traumático porque ainda não havia referenciais não-estereotipados do que significaria
sentir atração por pessoas do mesmo gênero.
Porém, o que eu não atentava naquele momento é que os exemplares enaltecidos
pela cultura gay masculina costumam ser todos malhados, classe média alta e
brancos. Que homens negros acabam restritos, no mundo gay, aos nichos
fetichistas da indústria pornô. Em alguma categoria entre “Amadores” e
“Zoofilia”.
Por
Leopoldo Duarte Do Revista Fórum
Recentemente passei a questionar
se a minha associação à identidade gay foi mais fácil porque essa era a única
identidade masculina, com peso político, na qual eu poderia ser parceiro
da branquitude. Certamente não estou dizendo que a minha atração sexo-afetiva
foi conduzida pelo anseio de assimilação a homens brancos, até porque essa
minha orientação se manifestou bem antes da puberdade e do meu conhecimento
sobre uma identidade que não fosse a da popularmente desprezada bicha. O que
quero dizer é que me autodeclarar gay ajudou a me empoderar diante da opressão
heteronormativa que sempre pesou sobre mim. Sem contrariar a opressão racista
da nossa sociedade pois homossexualidade “não tem cor”.
Por mais que pareça absurdo, aceitar-me
negro foi um processo bem mais complexo do que se imagina. Apesar de ter
nascido distintamente negro, o racismo agiu de tal forma que por muito tempo eu
relutei em ser visto como um menino, um jovem e até mesmo um escrevedor
negro. Ou seja, ao tentar me dissociar de toda pejoratividade atribuída à
negritude na nossa cultura, me esforcei em negar o óbvio: sempre serei
lido como negro antes de toda e qualquer outraparticularidade.
Falando nesses termos tudo parece
lógico e evidente, mas a realidade é que nada foi tão simples assim. Por um bom
tempo a necessidade de defender e exercer a minha sexualidade “desviante” fez
com que eu colocasse o racismo em um segundo plano. Como se em algum momento a
identidade gay pudesse ter eclipsado as consequências sociais de ser negro. Só
me dei conta da marginalização das pautas negras na comunidade gay quando me
deparei com a história do (trans)feminismo negro. De certa forma a urgência por
afeto e sexo da juventude me cegaram aos problemas inerentes a qualquer identidade
política fundada por pessoas brancas — da mais conservadora a mais esquerdopata
—, amais ou menos completa ignorância
diante das sequelas individuais e coletivas de séculos de hierarquização
racista.
Embora tenha me desiludido com o
movimento LGBT jamais poderei deixar de levantar essa bandeira, porém tenho
absoluta certeza de que dificilmente encontrarei apoio nessa comunidade caso
sofra alguma agressão racista — como, inclusive, já presenciei numa Parada do
Orgulho “alternativa” ano passado. Não por maldade dos militantes, mas
pelo simples fato de que a identidade gay, e até mesmo LGBT,
é uma construção pautada na branquitude, ou seja, na crença de que pessoas
brancas representam, idealmente, toda a diversidade humana e de que a luta
anti-racismo seria algo secundário e desagregante.
Afirmo essa postura apesar de
reconhecer a enorme dificuldade que alguns militantes negros têm em aceitar que
a homo e a transexualidade não são umainvenção ocidental, mesmo havendo
indicativos históricos do contrário. Simplesmente porque considero essa
confusão compreensível a partir do momento em que, nesses casos, argumento que
oque de fato não teve origem na África foi a homofobia. Uma opressão que,
depois de séculos de perseguição, levou à criação da distinção entre homo e
heterossexuais. Entre desviantes e “normais”. E que, em contrapartida, deu
razão à invenção da identidade política baseada na expressão individual da
sexo-afetividade: gay.
A diferença entre esses dois impasses
fica por conta de que enquanto o movimento negro me representa simbólica e
politicamente, o movimento LGBT frequentemente me invisibiliza e fetichiza —
como um dildo “bem servido” e com pegada “rústica”. Enquanto que entre
militantes negros eu sou visto como um irmão (em potencial), ainda que
neguem a minha sexualidade, em ambientes LGBT não é incomum a minha presença
despertar o impulso de averiguar pertences ou a procura por segurança.
Contudo, o principal motivo pelo
qual hoje eu me identifico como negro antes de gay não se limita a obviedade da
coisa, mas sim porque foi mais difícil, pra mim, me posicionar como negro do
que como um homem gay. Nem tampouco porque a minha sexualidade não é acessível
tão imediatamente quanto a minha raça, mas porque assumir a minha
negritude exigiu uma ruptura severa com os ideais dominantes — que negam o
racismo ao pregar a existência de uma democracia racial e que cultuam uma
estética e valores eurocentrados, por exemplo. Digo isso porque o que não falta
por aí são pessoas negras que não se reconhecem e nem se posicionam como tal.
Que se orgulham em serem “discretas e fora do meio”. Esforçadas e não-vítimas.
Como se racistas estivessem interessados em saber de algo da vida daqueles que
pretendem colocar em “seu lugar”.
Leia a matéria completa em: Sobre ser negro e gay - Geledés http://www.geledes.org.br/sobre-ser-negro-e-gay/#ixzz45HXiGz8z
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