A Luta Contra o Racismo Silencioso do Vale do Silício
Escrito por
Darold Cuba
10 July 2015 // 07:37 PM CET
 III e última parte





Apenas três empresas — a Microsoft, a Oracle e o Salesforce.com — possuem membros latinos ou negros entre seus superiores. Resumindo, entre 189 diretores das maiores empresas de tecnologia, apenas quatro (,.6%) são negros e um (0,5%) é latino. Para fins de comparação, é importante acrescentar que a diretoria da Fortune 500 conta com 7.4% de membros negros e 3.3% de membros latinos, de acordo com o último relatório da Alliance for Board Diversity. “Diversificar esse setor é o próximo passo do movimento de direitos civis", disse Jackson.

Quincy Jones e Hank Williams conversam durante a Convenção Platform de 2013 no Laboratório de Mídia do MIT em Cambridge. Crédito: Platform

Para Williams, um argumento fundamental a favor da diversificação é o risco de estagnação. “É impossível excluir uma parte significativa da população do setor da economia que mais cresce no país e não compreender que, mais cedo ou mais tarde, isso resultará em protestos populares — ou coisa pior", disse. “Não dá para tirar todas as oportunidades econômicas de uma população e esperar que ela não se revolte."

A discriminação e violência policial contra negros — "e a conivência de grande parte da população branca" — é a "manifestação mais real do problema; a falta de oportunidade econômica, particularmente em setores onde a demanda deveria ser abundante, é exteriorização mais perniciosa desse problema".

A socióloga de Harvard Devah Pager descobriu que uma pessoa branca com antecedentes criminais tem mais chances de conseguir um emprego nos Estados Unidos do que uma pessoa negra sem ficha criminal. Essa questão sistêmica é o motivo da ausência de afro-americanos em uma série de setores do sistema americano, incluindo a indústria da tecnologia. "No mercado de trabalho dos Estados Unidos, ser negro é tão indesejado quanto ter antecedentes criminais", conclui Pager.

“Em vez de ser ‘assertivo ao máximo’, aprenda a ser 'cooperativo'— isto é, criar e inovar, sempre abrindo espaço para o próximo ”

A Bancada Negra do Congresso também se mobilizou para resolver o problema de diversidade na indústria, lançando a iniciativa CBC Tech 2020 para "encorajar a indústria a usar o mesmo espírito empreendedor que gera tantas tecnologias inovadoras para diversificar o setor de tecnologia”.

“Se for preciso, iremos bater de frente”, disse o presidente da bancada, G.K. Butterfield (D-NC). “Queremos ajudar essas empresas a entrar em contato com estudantes e trabalhadores afro-americanos qualificados."

Dentre os gigantes da indústria, a Intel foi a empresa que mais se comprometeu em aumentar sua diversidade. Na CES desse ano, Brian Krzanich, presidente da Intel, discutiu a importância da diversidade e da inclusão dentro dor ramo, e anunciou a criação de uma Iniciativa de Tecnologia e Diversidade da Intel. Caso bem-sucedida, aumentará a quantidade de mulheres, negros, latinos e outras minorias dentro da empresa em pelo menos 14% durante o período pré-determinado.

Além disso, a Intel anunciou um investimento de US$300 milhões destinados a aumentar a diversidade da empresa, atrair mais mulheres e minorias para o setor de tecnologia e tornar a indústria mais acolhedora para esses grupos. O dinheiro também será usado para financiar bolsas em faculdades de engenharia e para auxiliar faculdades e universidades majoritariamente negras. Desde então, o Google e a Apple seguiram o exemplo e entraram no que parece ser uma nova tendência do Vale: anunciar investimentos de milhões para universidades e faculdades tradicionalmente negras.

Enquanto isso, Jackson propôs que as empresas do ramo delimitem objetivos e prazos para diversificar seu quadro de funcionários, da diretoria à mão-de-obra. Lucinda Martinez, diretora de Marketing Multicultural da HBO, expressou essa ideia citando o mantra de Sheryl Sandberg. "Em vez de ser 'assertivo ao máximo', é preciso ser 'cooperativo'— isto é, criar e inovar, mas sempre abrindo espaço para o próximo."

O reitor da Faculdade de Engenharia e Tecnologia da Universidade de Hampton, Dr. Eric Sheppard, espera que essas empresas se empenhem em criar vínculos com sua instituição e as outras 14 universidades tradicionalmente negras do país. “Executivos, professores universitários de universidades de 'alto risco' (que não têm o mesmo prestígio de Stanford ou o MIT), e ativistas terão que se unir para criar espaços onde todos possam falar abertamente sobre esses temas. Só assim poderemos ter as discussões necessárias pra mudar práticas e políticas, e enfim chegar a uma mudança verdadeira."

Financidadores da Convenção Platform de 2014, Brandi Harrison e Sharisse Scineaux. Crédito: Platform

Na última convenção da Platform, em uma tentativa de firmar contato com membros do setor, universitários foram convidados a cobrir o evento e conhecer alguns dos grandes nomes. Janelle Monae; o criador da série Martin, Topper Carew; Van Jones, da #YesWeCode; Keith Clinkscales, diretor da Revolt TV, e o vice-presidente da Samsung, Ty Ahmad-Taylor, eram alguns dos convidados. O programa recrutou estudantes do Centro de Estudantes da Universidade de Atlanta, o maior e mais antigo grupo de estudantes afro-americanos da educação superior, para ajudar na cobertura do evento.

A ideia era oferecer uma experiência prática de jornalismo para esses alunos e oferecer acesso ilimitado a todos os palestrantes, empreendedores, membros da equipe e participantes do evento. Durante uma discussão, Jackson enfatizou a importância de "romper a distância entre gerações, passar o bastão e contar as histórias que não aparecem na grande mídia".

Annick Laurent, uma estudante de biologia da Universidade Spelman, saiu do evento com um misto de preocupação e otimismo. Laurent me contou por email que ficou impressionada com a ideia de "que podemos muito bem fazer parte de certas indústrias, em especial aquelas ligadas à tecnologia e comunição, e como isso terá um enorme impacto na estabilidade, prosperidade e crescimento das mulheres e outras minorias dentro da economia".

Na visão de Laurent, os setores econômico e cultural estão se integrando.

“Todos nós, independente de gênero ou raça, precisamos um dos outros mais do que nunca. O mundo está mudando muito rápido. A informação está cada vez mais acessível, o que possibilita a criação de uma rede mundial formada por pessoas de várias origens."

Durante um hackathon ocorrido na úlltima convenção, Ahmad-Llewellyn, co-fundadora da Platform, disse que essas iniciativas não oferecem "soluções instantâneas". Diversificar as empresas, aumentar a transparência e encorajar e educar jovens são passos práticos; estabelecer um diálogo nacional sobre o problema e instalar mudanças institucionais é um desafio muito maior.

Antes que Ahmad-Llewellyn terminasse de julgar os candidatos, uma pequena polêmica movimentou os competidores: uma das equipe tinha mais candidatos do que as outras, e ficou em segundo lugar por não seguir as normas da competição. O problema suscitou um bate-boca entre jurados, organizadores e alguns competidores. Llewellyn reuniu todos os brigões e comparou a situação à luta do Movimento Negro americano. "As pessoas nem sempre concordavam umas com a outras", lembrou ela, "mas eles tinham seu objetivo em mente, e se uniram em prol do bem maior."

Tradução: Ananda Pieratti