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História africana pode resgatar a autoestima dos afrodescendentes
Data:
26/04/2016
Em psicologia, autoestima é
definida como a característica de uma pessoa que valoriza a si mesma, dando-lhe
a possibilidade de agir, pensar e exprimir opiniões de maneira confiante.
Autoestima também pressupõe uma avaliação objetiva e subjetiva que uma pessoa
faz de si mesma como sendo intrinsecamente positiva ou negativa em algum grau.
Ou ainda, a autoestima envolve tanto crenças quanto emoções
autoassociativas.
Por
Durval Arantes Do Mundo Negro
Trata-se, portanto, de uma emoção
ou de um sentimento que reflete a apreciação que uma pessoa faz de si mesma em
relação à sua autoconfiança e seu autorrespeito. Através dessas
percepções, podemos enfrentar desafios diversos e defender nossos interesses
ante as mais variadas instâncias de nossas vidas. A autoestima é formada
ainda na infância, utilizando o tratamento que se dá à uma criança como
peça chave, ou seja, se uma determinada criança for sempre oprimida em relação
às suas atitudes, muito provavelmente esta criança desenvolverá a “baixa
autoestima” como um entendimento de si mesma. Por outro lado, se uma
criança for sempre apoiada em relação à suas atitudes, dentro de
parâmetros justos e edificantes de avaliação, também muito
provavelmente terá a sua autoestima elevada em seu processo de amadurecimento
pessoal.
Reflexão: Qual a importância da
autoestima nas estratégias e tratativas da comunidade afro-brasileira na
legitimidade de suas demandas históricas de cidadania de primeira classe?
De um histórico, onde toda a
grandiosidade das tradições e estruturas Africanas foi dizimada e violentada
pela colonização euro-cristã (período este massacrante e eficaz no sentido de
oprimir e desvirtuar toda a essência e autoavaliação que outrora os povos da
Diáspora Africana anteriormente faziam de si), o sentimento de autoestima para
os afrodescendentes, notadamente os sequestrados para o Novo Continente,
transformou-se profundamente, a partir do flagelo do comércio escravocrata, não
obstante às muitas e honrosas páginas de resistência, ao longo do tempo.
Tornou-se, pois, em um paradigma
quase que épico, na medida em que a dinâmica de vida dos Africanos e de seus
descendentes na terra nova passou a “obedecer” a um modelo (ou padrão)
opressivo em todos os seus aspectos e o qual viria a servir de
parâmetro ou exemplo a ser seguido nesta ou naquela situação, fosse qual
fosse a relação entre opressor e oprimido. As vidas dos pretos e pretas
passaram a ser regidas por “normas orientadoras” de um grupo hegemônico que
estabeleceu limites, a partir de preceitos, teses e doutrinas falaciosas e
tendenciosas , que determinariam como um indivíduo de descendência Africana
deveria agir dentro desses limites.
E, dentro desses limites, as
pessoas habitantes e oriundas dos navios tumbeiros, das senzalas, dos engenhos
de açúcar, das plantações agrícolas, das minas de exploração mineral, das
periferias, dos morros, das favelas, dos cortiços e das
comunidades passaram a ser estigmatizadas pelas elites de forma depreciadora
e pejorativa.
Some-se a isso, especificamente
no Brasil, a degradação humana e os baixíssimos índices de cidadania nos quais
esses contingentes humanos certamente se inseriam, principalmente nos
períodos pré e pós-abolicionistas: desconhecimento e distanciamento de sua
própria História, abuso de gênero contra as mulheres, desemprego entre os
homens, proibição de voto, baixa expectativa de vida, ociosidade,
desamparo republicano, etc…
Sem dúvida, um ambiente histórico
pouco propício para qualquer projeto de cultivo sistemático de um sentimento de
orgulho e amor próprio, em um povo.
Não sem surpresa, portanto,
muitos dos antepassados das gerações atuais de afro-brasileiros e
afro-brasileiras introjetaram uma percepção enviesada sobre si, passando a
rejeitar e subestimar a sua autoimagem e o que ela representava ante a
sociedade da época.
E essa “visão equivocada de si”
foi sendo passada de geração a geração, causando efeitos danosos e de longo
alcance na formação e no legado psicossocial das pessoas de pele escura
habitantes deste lado do oceano.
Isto posto, a autoestima das
pessoas afrodescendentes precisa ser construída sobre os pilares da verdade
Histórica de seu passado:
Os povos africanos são a primeira
e a mais antiga etnia a caminhar sobre o planeta terra (TODAS as demais
civilizações terrestres surgiram DEPOIS e A PARTIR dos contingentes
humanos saídos da África), os povos Africanos inauguraram os conhecimentos
de transformação de metais, estudaram e mapearam as estrelas, os ciclos da
água; lançaram os fundamentos da Zoologia e da Botânica, através da
observação sistemática da rica fauna verificada na imensidão do território
Africano… desenvolveram técnicas de caça e pesca que são utilizadas até os
dias de hoje, independentemente do uso de quaisquer tecnologias, fundaram
reinos… formataram regras de linguagens e construíram pirâmides cujos
níveis de sofisticação e complexidades são ainda um mistério até para
o conhecimento científico contemporâneo… cobriram distâncias continentais
e venceram obstáculos topogeográficos e climáticos inimagináveis…
desbravaram e povoaram territórios outrora inóspitos… lançaram as bases para o
aparecimento e a continuidade histórica das civilizações aborígenes,
persas, gregas, romanas, ibéricas e do sudoeste asiático, todas tendo a África
como ponto de origem!!!
Todo este patrimônio
afro-antropológico, no entanto, foi suprimido e “desapropriado” pela dita
historiografia eurocêntrica, que deslocou o eixo de entendimento do mundo
para o foco de uma visão branca, capitalista e cristã. Somado a isto (ou até
mesmo EM RAZÃO DISTO), acrescentem-se todas as influências filosóficas,
econômicas, artísticas, acadêmicas, burocráticas e generalistas
de conteúdos tendenciosos e protecionistas que visaram (e visam!) à
manutenção de privilégios infundados que fundamentaram o controle dos
feudos, da burguesia, das castas eclesiásticas, das forças militares, dos
conglomerados e das ditaduras que cruzam o processo civilizatório do
mundo, desde a Idade Média. E todos estes fatores citados, sem exceção,
tornaram-se fatores de desfacelamento e prejuízo da autoestima dos povos
representantes da Diáspora Africana.
O século 21 escancarou, via
tecnologia virtual, o acesso e a massificação das diversas fontes de informação
que oportunizam o contato dos afrodescendentes ao conhecimento real de
fatos históricos. Acervo este que, antes da disseminação do mergulho à
rede mundial de computadores, só estava disponível em círculos acadêmicos
restritos e elitizados. De POSSE desta informação (como fator de revisão,
retratação e reparação dos privilégios verificados), os movimentos
representantes das demandas das populações afro-diaspóricas podem, também,
fazer uso dos conteúdos resgatados via internet como plataformas de resgate e
difusão da relevância histórica, social, filosófica, científica e
sobretudo humanitária da África e dos seus filhos e filhas para o entendimento
da existência da espécie humana sobre a face da Terra. Isso, seguramente,
iniciaria um processo altruísta e revigorante no resgate da autoestima étnica
de homens e mulheres de pele escura ao redor do planeta.
Após o holocausto que foi a
intervenção e colonização europeia no continente Africano (cujos efeitos
nefastos se fazem sentir até hoje na região), três indicadores históricos
podem ser apontados como responsáveis pelos impactos corrosivos no senso
de autoestima dos povos locais e de uma expressiva parte de seus
descendentes ao redor do mundo, já a partir da dinâmica do
ciclo escravocrata:
1) A arma de fogo:
Instrumento que abatia um foco de resistência de forma imediata: rebelou-se,
fuzilava-se e encerrava-se o embate. Aqui o efeito é instantâneo e
opressor pela via rápida, inclusive para o amedrontamento de outros eventuais
focos de resistências próximos e imediatos.
2) O açoite físico:
Mecanismo que minava um foco de rebeldia ou de resistência de forma gradual e
lenta. Indiscutivelmente abusivo (e exclusivamente do ponto de vista da
mão no chicote), o açoite tinha um caráter “educador”. Durante a “Grande
Travessia”, no desembarque em terra firme, nos leilões de venda, na quebra
e violação de vínculos familiares, no estupro sistemático e
bestialização das mulheres e crianças pretas, no trabalho assalariado e
implacável, na Abolição (mais imposta do que conquistada), no abandono do
Estado, na perseguição das forças policiais, desde a fundação da República… o
abuso físico foi um fator de implosão e deterioramento do amor próprio dos
povos afro-diaspóricos.
3) A conversão às religiões
monoteístas: As populações afrodiaspóricas inseridas no contexto
escravocrata foram forçadas ou seduzidas a abrirem mão de suas doutrinas
teo-espirituais seculares, mormente reverenciadoras da flora e das forças da
natureza, para abraçarem uma outra doutrina cuja liturgia e retórica são
calcadas na reverência a um poder único, no pecado, na punição,
na seletividade e na penitência.
A conversão religiosa de pessoas
afrodescendentes às doutrinas eurocêntricas tem um efeito
fisicamente menos traumático do que a arma de fogo e o açoite, mas produz
resultados cataclísmicos na auto-percepção de pessoas de descendência
Africana, uma vez que este fenômeno se apropria da “alma” e do discurso dessas
pessoas, com a vantagem adicional de este “efeito doutrinador” ser
repassado de geração para geração de uma mesma família. Um domínio e controle
que se estende pelo tempo, pelo espaço e em escala geométrica.
Talvez não seja de toda absurda a
lógica de se afirmar que, ao defender o seu direito intrínseco (sobretudo
legítimo) de defender a fé monoteísta que prega e acredita, uma pessoa
afrodescendente está paradoxalmente fazendo a defesa da autoestima de uma
tradição sufocante, que tira a África do centro do entendimento do que
é, como é, e do “porquê é” o mundo. Em todas estas 3 instâncias do
fenômeno afrodiaspórico (arma de fogo, açoite e conversão doutrinária) a
autoestima ORIGINAL de pessoas Africanas e de sua descendência foi
meticulosamente pisoteada, subestimada, corrompida, oprimida e
relativizada.
Agora, ainda às portas do século
21, é chegado o momento de as pessoas herdeiras das tradições Africanas
seculares promoverem um resgate da grandeza e da “maravilhosidade” de sua
importância como pessoas e, assim, promover o revigoramento de
sua autoestima.
Temos, sim, que manter o foco nas
mazelas, ameaças e desigualdades que assolam a nossa gente todos os dias e em
todas as facetas da sociedade moderna.
Mas temos, também, que pegar a
nossa própria História pelas mãos e fazer dela um motivo de orgulho, exaltação,
auto-satisfação, glória e honra.
Essa História, a nossa, rica e
que abraça todo o mundo, não se inicia com a chegada dos colonizadores na
Europa.
Nós NÃO SOMOS descendentes de
escravos. Somos descendentes de seres humanos Africanos que foram ludibriados,
manipulados e sequestrados em suas terras.
A nossa autoestima já reside
dentro de nós. Se estava adormecida, já passou da hora de acordá-la. E que seja
cedo, logo de manhã. Ao levantarmos, que cada um e uma de nós que vá para a
frente de um espelho. E que só saia de lá quando amar e respeitar a imagem
refletida diante de si.
Nós, filhos e filhas da Diáspora
Africana, viemos ao mundo com o direito de ter sonhos e sermos felizes.
Com todo o respeito às opiniões
em contrário.
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