Geni Guimarães:
a cor da ternura da literatura negra
Date:
30/07/2016
Escritora
e poetisa, Geni versa sobre uma vida simples, bucólica e expõe conflitos
raciais com potência
Por
Juliana Gonçalves, do Brasil
de Fato
Mulher
simples, da roça do interior de São Paulo, Geni Guimãres veio de família
grande. Conversava com os bichos e ao se alfabetizar, começou a escrever sem um
objeto específico e logo viu que escrevia. Descrevendo seus
familiares negros, se firmou na literatura negra.
Histórias inventou para além
do tempo, mas versar, não. Versar começou aos 8 anos. De lá para cá, tantas
luas. Não sabe dizer que poesia gosta mais. “É o mesmo que perguntar para mãe
qual filho gosta mais”, brinca. “Mas tem um poeminha chamado ‘Visão de
Mim’ que me resume: Plantei árvores e poeta, fiz poemas redondos, do vento
extrai minhas raízes saudáveis de negrume e altivez, no entanto isso tudo me
indefine e o gosto do que fiz me incompleta, sou inacabada até que a morte me
separe”.
A infância da escritora e
poetisa foi colorida, barulhenta de ruído do mato e das vozes dos nove
irmãos, pai, mãe, avó. Tem uma irmã mais nova especial que cuidava. “Eu me
revoltei quando percebi que a Cema era diferente de mim, porque eu escrevia,
lia e ela nada. Eu tinha uns 11 anos e só depois entendi que ela veio assim
para me ensinar a humildade e simplicidade, que no fim as coisas são boas
dependendo da sua visão”, relembra.
Ainda no ginásio começou a
publicar nos jornais da cidade e, quando viu, estava nascendo seu primeiro
livro de poemas, “O terceiro filho”, publicado em 1979.
Leito do peito
A relação com a mãe,
Sebastiana, está bem presente em seus versos e prosa. Ela era
conectada com o abstrato, com as energias divinas. Benzedeira, ensinava
simpatias, era conhecedora das ervas. “Ela era uma ternura. Muito bonita. Fazia
repentes. O que tenho (o dom de escrever), herdei dela. Não é nada meu, me
deram”, conta.
Na dedicatória de um dos seus
livros, Geni agradece a sua mais velha: “Pelo útero, pelo leite, pela fé,
pela paz, por essa herança poética que transcende.”
Em “Lei do Peito”, seu livro de contos
autobiográficos publicado em 1988, a escritora conta que quando criança mamava
em pé enquanto a mãe trançava seus cabelos. Vez ou outra perguntava: “Mãe, a
senhora gosta de mim?”. Ela estendia os braços e mostrava a medida do amor.
“Era o tanto certo do amor que precisava, porque eu nunca podia imaginar um
amor além da extensão dos seus braços”, escreveu Geni.
Sebastiana tinha “A cor da
ternura”, nome que batiza o livro de Geni de 1989. Ela faleceu aos 87
anos. “Queria entrar dentro dela para partir com ela”, suspira. Sua mãe era
cheia de fantasia. Mesmo cega no final da vida, pedia com ternura para Geni
abrir a porta para que ela pudesse “ver” as flores que ficavam do lado de
fora. “Ela olhava com o olho do coração…Várias pessoas me ensinaram a vida, mas
ela e minha irmã Cema foram especiais”.
Racismo
Geni escreve de maneira simples e
potente. Só na hora de combater o racismo, enrijece. “Não tenho meias palavras
até por que meu passado não deixa. Não da para levar tudo com suavidade”,
pontua.
Para ela, ser mulher negra no
mundo exige “muita coragem e força”, principalmente por ter a função natural de
ensinar o que é ser negro. “Tenho netos e netas e converso muito com eles e com
todas as crianças, inclusive as brancas, para elas saberem que somos diferentes,
mas não inferiores”, diz.
Afirmar a negritude, nesse
contexto, é muito importante. “Eu gosto de ser negra, gosto de me mostrar
negra, porque a gente chega a isso com muita dificuldade, é muito
enfrentamento”. Pena mesmo, sente das pessoas negras que ainda não se conscientizaram.
“Elas não sabem que vacilando a gente se torna escravo de novo”, opina.
Geni vê com alegria a busca por
igualdade racial na sociedade, mas ainda teme que o racismo “aperte tanto” a
população negra e que ela desista. “Nunca devemos deixar de ser negro, de levar
a todos os meios possíveis a mensagem do negro, a vida negra. É da gente
essa terra!”, afirma potente.
Escritoras
Da sua casa em Barra Bonita (SP),
acompanha a movimentação de jovens escritoras negras para quem Geni é uma
referência. “Tem muita mulher escrevendo, muitas dessas terão seus filhos como
seguidores”, fala ao se referir as escritoras Elizandra Souza, Raquel Almeida,
Jenyffer Nascimento e tantas outras.
Com a literatura não se
deslumbra. Gosta mesmo é de sentar na calçada todas as tardes com as outras
mulheres do bairro e bater um bom papo. “Isso preenche minha vida e dá opção de
escolha na minha literatura”, finaliza sorrindo.
Obras
Poesia
Terceiro filho – Bauru: Editora
Jalovi, 1979
Da flor o afeto, da pedra o protesto
– Barra Bonita: Ed. da Autora, 1981
Balé das emoções – Barra Bonita:
Ed. da Autora, 1993
Contos
Leite do peito – São Paulo:
Fundação Nestlé de Cultura, 1988; Belo Horizonte: Mazza Edições, 2001 (reedição
revista e ampliada)
A cor da ternura – São Paulo:
Editora FTD, 1989. 12 ed. 1998
Literatura infantil
A dona das folhas – Aparecida:
Editora Santuário, 1995
O rádio de Gabriel – Aparecida:
Editora Santuário, 1995
Aquilo que a mãe não quer – Barra
Bonita: Ed. da Autora, 1998
Leia a matéria completa em: Geni Guimarães: a cor da ternura da literatura negra - Geledés http://www.geledes.org.br/geni-guimaraes-cor-da-ternura-da-literatura-negra/#ixzz4FvR2hvKm
Follow us: @geledes on Twitter | geledes on Facebook
0 Comentários