“A
solidariedade antirracista é o maior medo da supremacia branca”
Date:
06/05/2017
Gabriela
Shimabuko, militante do movimento asiático, fala sobre como o mito da minoria
modelo colabora para o racismo anti-negro
Por
Ingrid Matuoka, da Carta Capital
‘Perigo Amarelo apoia o poder negro’, diz cartaz
Dentre os
diversos mitos que existem no ocidente, um deles envolve os japoneses e
nipo-brasileiros, a chamada “minoria modelo”, que migrou principalmente para o
Brasil e para os Estados Unidos em navios, geralmente fugindo da guerra, e que
prosperou.
A
história não passaria de uma generalização superficial e aparentemente
inocente, não fosse um porém: ela é usada para reforçar o racismo contra
negros.
Gabriela
Shimabuko, militante do movimento asiático e autora do texto “Anti-negritude é
global: a participação asiática no racismo anti-negro”, explica a questão e
discute formas de combater esse meio de opressão.
CartaCapital: O que é
uma “minoria modelo”? Quem faz parte dela?
Gabriela Shimabuko: A
minoria modelo, no ocidente, é um mito dialético do Perigo Amarelo, que são os
asiáticos principalmente do extremo oriente vistos como ameaça econômica por
terem muita mão de obra e recursos. A minoria modelo não existe sem o mito do
Perigo Amarelo, porque ela surge quando o extremo oriente é uma ameaça direta
às civilizações do ocidente.
Trata-se de um estereótipo, mas
que não é real, materialmente não existe. Seria o “japonês da USP”, alguém bom
no âmbito acadêmico, econômico, bem educado.
Fazem parte dela principalmente
japoneses e chineses. Como a imigração coreana está aumentando no Brasil, eles
também entram. Aqui no país não tem uma migração indiana ou tailandesa intensa,
então muitas vezes não incluímos o sudeste asiático.
CC: Essas
pessoas se sentem pressionadas a seguir este padrão? Isso é prejudicial a elas?
GS: Nos
Estados Unidos já existem estudos sobre isso. O mito da minoria modelo afeta a
autoestima de crianças asiáticas de uma forma negativa. Quando somos bons, é o
esperado. Quando somos ruins, é o que marca, dizem: “você é japonesa mas não
sabe matemática”.
Isso também faz com que
professores sejam mais tendenciosos no tratamento dos alunos. A criança que tem
dificuldade já sente vergonha porque perante a família ela é uma decepção, e se
sente excluída da ajuda dos professores porque o mínimo que se espera é que ela
seja excelente.
CC: Ao mesmo
tempo em que tem pontos negativos, fazer parte de uma minoria modelo pode ser
um privilégio?
GS: No
contexto brasileiro, o que a gente enfrenta são micro agressões, que
individualmente são prejudiciais, mas que estruturalmente podem nos beneficiar.
Por mais que sejamos
racializados, não somos perseguidos pela polícia, não precisamos ficar com medo
de alguém preferir uma pessoa branca com o mesmo currículo que o nosso.
Também é preciso um recorte de
gênero e imigração. O nipo-brasileiro, em certas ocasiões, está na mesma
condição de privilégio do branco, mas um sino-brasileiro, por exemplo, vai
enfrentar obstáculos a mais, porque ainda se lê a imigração chinesa como
ilegal.
CC: De que
forma a existência dessa “minoria modelo” reforça o racismo anti-negro?
GS: Lembro
claramente de uma imagem que vi ano passado dizendo que os japoneses também
vieram para o Brasil à força em navios, em condições sub-humanas, para
trabalhar em condições análogas à escravidão. Em seguida, comparava o sucesso
dos nipo-brasileiros com o dos negros.
Isso reforça o estereótipo.
Enquanto se coloca os asiáticos como uma minoria esforçada, estudiosa, e que
consegue ascensão econômica e social sem assistencialismo, o negro fica do
outro lado, como oposição. Isso tem um gosto de determinismo biológico, racial,
sendo usado em pleno século XXI.
Então usam duas histórias
completamente diferentes para argumentar a favor da democracia racial e contra
cotas e ações afirmativas, como se realmente não existe racismo estrutural no
Brasil.
Hoje, isso também acontece com
muçulmanos. Estamos em uma época em que a islamofobia é o maior instrumento
para pavimentar o totalitarismo. Aqui no Brasil esse discurso não é tão
pronunciado, mas nos EUA é mais forte.
Da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos
surgiu um laço de solidariedade entre asiáticos e negros
CC: O que
essa “minoria modelo” pode fazer para, no mínimo, não reforçar o racismo
anti-negro?
GS: É
reconhecer privilégios. O movimento asiático é fundamentado em política
identitária. O perigo disso é não fazer um recorte de classe e de gênero. Em
relação à anti-negritude, é reconhecer privilégios.
Isso significa não tentar equiparar
nenhuma das lutas, em nenhum aspecto, e o mais importante é o diálogo dentro
das nossas comunidades, que muitas vezes são muito conservadoras. É dialogar
para tentar desmantelar a anti-negritude de dentro para fora.
CC: Historicamente,
negros e japoneses estiveram juntos na luta pelos direitos civis americanos. A
ligação surgiu aí?
GS: Vem daí,
com certeza, porque na época que começou o movimento do Perigo Amarelo com os
Panteras Negras, foi depois da guerra, depois do internamento forçado de
japoneses e nipo-estadunidenses, então começaram a questionar isso, bem como a
exclusão a asiáticos que ocorreu nos EUA. Foi então que começaram a criar essa
solidariedade, e é lógico que a solidariedade antirracista é o maior medo da
supremacia branca.
A minoria modelo existe antes
disso, mas ela se reforça, passa a ser essencial no discurso da branquitude
para tentar dividir o movimento. Isso, aliado com várias outras políticas, como
a guerra às drogas, influenciam muito na desestruturação dos movimentos e das
comunidades.
CC: No Japão,
mesmo, alguns lugares e seus descendentes são menosprezados, como Okinawa. Por
que isso acontece?
GS: Okinawa é
étnica e culturalmente diferente do Japão. Eu não sei se é uma comparação que
extrapola, mas no contexto brasileiro, para as pessoas entenderem, eu digo que
okinawano é tão japonês quanto um Guarani Kaiowá é português.
Tanto o território okinawano,
quanto o norte do Japão, são territórios indígenas que sofreram um processo de
colonização. Em 1888, aboliu-se a escravidão no Brasil. Apenas dois anos antes
Okinawa foi anexado politicamente ao Japão. É muito recente.
Lá, o preconceito é fundamentado
principalmente na língua, porque o japonês de Okinawa é quase um dialeto, além
de terem outro idioma próprio.
retirado do geledes.org.br
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