“Sou
negra e poderosa. Saí da pobreza e me tornei empresária milionária”
Date:
01/05/2017
“Quando
eu chego em uma roda de empresários, eles olham para mim e logo começam a
perguntar o que faço, o que já fiz, querem saber por que estou ali. Acontece
praticamente uma entrevista para que consigam entender como eu, uma mulher
negra, estou ali no mesmo lugar que eles.
por Helena
Bertho no UOL
Mas se eu contar minha história, a verdade é que
nem eles nem mais ninguém vai poder duvidar de que sim, eu pertenço a esse
ambiente dos negócios. Porque se tem uma coisa que eu sou desde pequena é
empreendedora.
“Desde nova eu me virava para
conseguir dinheiro”
Minha mãe morreu quando eu tinha
8 anos e meu pai criou sozinho eu, minha irmã e dois irmãos. A gente morava em
uma comunidade em Madureira (bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro), com uma
vida pobre e simples. E em volta de nós, mais pobreza e violência. Tanto que
meu irmão mais velho se perdeu no tráfico. Foi terrível, mas ao mesmo tempo me
ensinou a importância das escolhas que eu fazia na vida. Eu não queria ter o
mesmo fim que o meu irmão.
Por isso, desde nova eu me virava
para conseguir ter o meu dinheiro de jeito honesto. Aos 9 anos, carregava água
para os vizinhos por uns trocados; aos 10, lavava louça e roupa. Com 13,
consegui meu primeiro emprego vendendo bijuteria e daí não parei mais. Se em
casa a gente tinha apenas o básico para sobreviver, eu garantia o pão extra, os
doces, o salgadinho do lanche da escola.
Fui secretária, atendente,
recepcionista e vendedora das mais diferentes lojas. Até que aos 16 comecei em
uma loja de cosméticos, onde descobri meu caminho. Existia ali um espaço, com
um lavabo, cadeira e espelhos, onde os clientes podiam usar os produtos
comprados e testar com uma cabeleireira. E aquilo me deslumbrava! A
transformação que as pessoas sofriam, o bem-estar que vinha com o cuidado.
É que eu sempre fui vaidosa,
apesar de não ter dinheiro para bancar. Lavava meu cabelo com sabão de coco —
sabonete quando dava — e nem sabia o que era condicionador. Uma vez, aos 12
anos, vi na TV uma reportagem sobre máscara de argila medicinal para deixar a
pele bonita. Achei aquilo maravilhoso. Então quando choveu, sai correndo paras
ruas do morro, fui até uma poça d’água e lambuzei minha cara na lama para me
tratar.
Trabalhando com beleza, eu
percebi que queria não só cuidar de mim, mas também oferecer cuidado para outras
pessoas e uma vontade começou a crescer dentro de mim.
“Sem
saber nada de estética, decidi abrir um salão”
Depois que saí da loja de
cosméticos, tive minha primeira experiência empreendedora: uma amiga tinha uma
loja de presentes importados e propus ampliar seu negócio. Consegui um lugar
para vendermos e a gente ia até o Paraguai comprar os produtos. E foi um
sucesso só! Mas acabei saindo porque a sociedade não estava dando muito certo.
Então depois de um ano e meio, eu estava de volta ao mercado em busca de
desafios.
Até voltei para a loja de
cosméticos, mas foi uma passagem relâmpago. É que Markos, meu namorado na
época, hoje meu marido, estava fechando uma loja de materiais elétricos que
tinha, sobrariam R$ 8 mil da venda e ele propôs usarmos isso para começar um
negócio.
‘Vamos abrir um salão?’, eu
falei. E ele riu, achando que era loucura. Nenhum de nós sabia nada de
estética. Mas a gente podia aprender, né? Falei para fazermos um curso de
cabeleireiro e fui tão convincente — afinal, vender sempre foi um dom meu — que
ele acabou topando.
Enquanto ele aprendia corte, eu
foquei em química. Assim a gente podia se complementar no atendimento. Fizemos
um curso rápido de dois meses e arrumei um espaço para alugar. Estava cheio de
entulho e acabado! Então precisamos limpar, pintar e até colocar carpete no
chão, com nossas próprias mãos.
“Falimos e ficamos com uma mão na
frente e outra atrás”
Com tudo pronto, chamamos uma de
nossas professoras para trabalhar conosco e botamos o salão para funcionar. Ela
levou muitos clientes para nós e, fazendo tudo direitinho, fomos conquistando
cada vez mais e mais gente. Em meses, éramos um verdadeiro sucesso!
Tanto que recebemos uma proposta
para comprar um segundo salão, expandir. Ele estava prontinho, era só abrir.
Decidimos tentar e foi nosso maior erro. Dividindo nossa energia entre as duas
unidades, não conseguimos cuidar tão bem dos dois e a clientela foi começando a
cair, mas os custos agora eram o dobro. Resultado: quebramos.
Devendo o aluguel, telefone,
salários e pagamentos de fornecedores, fechamos o salão, com uma mão na frente
e outra atrás. Pior que nossas contas, só nosso moral. Estávamos destruídos,
uma sensação de fracasso indescritível.
“Dormíamos num tapete e usávamos
uma caixa como geladeira”
Markos foi vender peixinhos Betta
na rua enquanto eu tentava arrumar algum trabalho. Mas o pior para mim era o
desânimo. Eu sentia que tinha desistido, que não valia a pena tentar mais nada.
Nessa época, decidimos morar
juntos. Fomos para uma quitinete e, quebrados, não tínhamos grana nem para
móveis. Nossa casa tinha uma TV, que levei comigo; uma tábua, em cima da qual
deixávamos as roupas; uma caixa com gelo que servia de geladeira e um tapete
onde dormíamos. Sinceramente, eu não achava que dava para sair dessa.
Quem me deu um chacoalhão foi
aquela minha amiga, de quem fui sócia. ‘Cadê a Jane? Volta lá e abre outro
salão. Tá devendo? Paga!’. Foi o que ela me disse. E, na hora, aquilo me abriu
os olhos. Verdade. Cadê a velha Jane, que não fugia de nenhum desafio, muito
pelo contrário?
Mas teve gente que também falou o
contrário. Que eu devia entender que era uma mulher negra e pobre e que eu
jamais teria sucesso, que meu lugar era sendo funcionária dos outros. Mas eu
não podia aceitar que minha cor, meus cabelos e minha origem determinassem o
que eu podia ou não.
Procurei as donas do imóvel onde
ficava o salão e, depois de uma bela discussão, consegui reabrir meu negócio e
pagar os atrasados aos poucos. Procurei funcionários que topassem embarcar num
empreendimento arriscado e recomecei.
Nem telefone a gente tinha,
porque meu nome estava sujo. Então eu ficava na porta oferecendo tratamentos
grátis para pessoas que passavam na rua, tentando fidelizar clientela. E deu
certo. Quem entrava adorava e já marcava outra sessão. Devagar e no boca a
boca, o negócio foi crescendo e a clientela, voltando.
“Hoje estamos no Brasil todo e
atendemos milhões de pessoas”
O salão dando certo, Markos
voltou a trabalhar lá e nós mobiliamos nossa casa. Lembro quando conseguimos
comprar nosso carro. Fomos passar um fim de semana na praia, dormindo dentro
dele, para comemorar a conquista!
Nessa parceria, a empresa foi
crescendo e dando certo e nossa vida só melhorava. Mas as coisas viraram
novamente em 2010. O salão estava estruturado e eu comecei a buscar novos
desafios. Então percebi que o atendimento para sobrancelhas tinha muito
procura. Por que não abrir um estabelecimento especializado no olhar?
Vendemos o salão e investimos a
grana em abrir o primeiro Spa da Sobrancelhas. Dessa vez o sucesso veio rápido:
tínhamos tanta procura que em um ano decidimos abrir uma filial. E a coisa
nunca mais parou de crescer. Hoje a empresa está no Brasil todo com 450
franquias. Em poucos anos, fui do zero aos milhões. Em 2016, faturamos R$ 93
milhões. Eu sou responsável por treinar as funcionárias que atuam e, juntas,
atendemos mais de 9 milhões de mulheres anualmente.
Eu e Markos levamos uma vida
completamente diferente, com um conforto que nem imaginávamos enquanto
dormíamos no tapete em nosso primeiro apartamento. Ainda tem gente que não
aceita me ver tão bem. Mas o que eu espero é que cada vez mais mulheres como eu
ocupem no mundo dos negócios. A gente está chegando para ficar.”
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