Mia
Couto: “Doeu ver como África e Moçambique ficaram tão distantes do Brasil”
Date:
04/05/2019
O escritor moçambicano conversa com o EL PAÍS sobre
escrita, política e o ciclone Idai, que quase destruiu sua cidade natal e
demorou a ser notado pelos brasileiros
Por Joana
Oliveira, Do El País
(Foto: Imagem retirada do site El País)
Antes de aprender a ler
livros, Mia Couto (Beira, Moçambique, 1955) aprendeu a ler a
terra. A grande diversão de seu pai, um poeta que teve que exilar-se de
Portugal devido a perseguições políticas, era passear com os filhos ao longo da
linha do trem para buscar pequenas pedras brilhantes no meio da poeira. “Ele
ensinou-nos a olhar para as coisas que pareciam sem valor. E, sem nunca nos
obrigar a ler, ensinou-nos a ler a vida”, conta António Emílio Leite Couto —Mia
é um pseudônimo— em uma sala de reunião de um arranha-céu de São Paulo. Com uma
camiseta azul (um tanto amassada) da mesma tonalidade de seus olhos e uma calça jeans,
o escritor parece haver caído de repente no espaço onde, no recinto ao lado,
homens e mulheres em blazers e paletós discutem negócios. Por vezes, as vozes
do grupo elevam-se, ainda que sutilmente, mas o suficiente para contrastar com
o tom monocórdio e pausado do escritor moçambicano, que, em sua fala tranquila,
constrói elucubrações literárias e metáforas a cada segundo.
Mia Couto descobriu-se poeta aos
14 anos — o primeiro poema foi feito para o pai e publicado sem a autorização
do jovem escritor no Diário da Beira, algo que, à época, lhe fez querer “morrer
de vergonha”. A prosa chegou anos mais tarde, quando começou a trabalhar como
repórter em um jornal, como infiltrado da luta clandestina pela independência
de Moçambique. “Aí comecei a ter a tentação de escrever, de inventar
mundos paralelos”, lembra. Quando conheceu a lírica de João Guimarães Rosa,
soube que ia por bom caminho. O escritor moçambicano visitou recentemente
diversas capitais do Brasil para falar sobre a obra-prima do brasileiro, Grande
Sertão: Veredas (1956), que acaba de ganhar uma nova edição da
Companhia das Letras. Numa dessas vindas, conversou com o EL PAÍS, em São
Paulo, sobre a influência desse livro em sua escrita, sexismo na literatura e
sobre como as palavras reinventam-se e seguem vivas, firmes, mesmo quando tudo
ao redor se destrói.
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