Hélio Santos: A ascensão dos negros no Brasil X O genocídio de jovens
Data: 24/08/2018
Categoria: Questão
Racial, Violência Racial e Policial
“Quase
500 mil pessoas que se declaram pretas e pardas ascenderam às classes A e B em
2017”. Essa frase de efeito, publicada pelo jornal Folha de S.Paulo do dia
13/8, abriu matéria de capa em que se estranhava tal crescimento em pleno
momento de retração econômica. De fato, à primeira vista, chama a atenção, pois
naquele ano cerca de 800 mil pessoas foram rebaixadas de seus estratos em
função de uma das piores crises econômicas sofridas pelo Brasil. Mais: o
fenômeno foi o único positivo entre todas as classes de renda. Ou seja, esse
empoderamento econômico de negros e negras corre na contramão do Brasil de
carne e osso, como chamo o país real aqui em nossa página.
Hélio Santos
(Foto: Alberto Lima)
Texto de Hélio Santos divulgado no site Brasil de
Carne e Osso
Por
outro lado, noutra direção, 17 dias antes (28/7) o mesmo jornal trazia outra
notícia de capa tão impactante quanto a da ascensão de negras e negros. A
Polícia Civil de São Paulo descobriu um plano do PCC – o Primeiro Comando da
Capital – para recrutar cerca de 1.000 novos integrantes por mês. A campanha do
grupo criminoso atende pelo nome de “adote um irmão”. Considerando a realidade
das periferias brasileiras, apinhadas de jovens “Nem – Nem” – aqueles que nem
estudam e nem trabalham -, o plano do PCC de recrutar 12 mil novos integrantes
por ano pode ser considerado modesto. Segundo o Banco Mundial são cerca de 11
milhões de jovens na faixa etária de 15 a 29 anos e que raramente rompem o
gargalo do ensino médio. A meta do PCC – 12 mil recrutas por ano – é cerca de
0,1% do número de “Nem – Nem” estimado pelo Banco. Desnecessário dizer
quem é a maioria desses recrutas, candidatos a morrerem antes de completar 30
anos. São jovens oriundos do que denomino “família de risco” – pobre, negra,
periférica e geralmente liderada por uma mulher.
Não
se reconhece, mas a ascensão às classes A e B, em larga medida, se deve às
políticas afirmativas (Cotas Raciais) tão criticadas num passado recente. Em
1997, o grupo que eu coordenei no Ministério da Justiça, fez o primeiro
encontro governamental para discutirmos essas políticas. O encontro ocorreu na
cidade de Vitória (ES) e contou com especialistas do IPEA, Itamaraty,
Ministério da Justiça e Educação, dentre outros. Diversos cenários foram
desenhados: eu sempre defendi que as ações afirmativas trariam essa ascensão e
que ocorreria ao mesmo tempo uma onda de racismo mais visível, menos
envergonhado. Precisamente o que se dá hoje na cena brasileira, mais de 20 anos
depois. Nesse texto breve não cabe avaliar as variáveis que me fizeram projetar
esse cenário antagônico. Aqui, o que me parece mais importante destacar é a
ausência de políticas públicas para um grupo vulnerável superior às populações
do Paraguai e do Uruguai juntas.
Novas
Políticas Afirmativas
Hoje,
a manutenção mensal de um presidiário está em torno de 2.400 reais. Já a
manutenção anual de um jovem estudante do ensino médio é de 2.200 reais.
Explicando: o custo de um encarcerado por ano equivale ao valor investido em 13
estudantes do ensino médio onde a tragédia dos “Nem – Nem” ganha corpo. Não se
investe na juventude, pois prefere-se encarcerá-la depois. O tráfico oferece
“oportunidade” real de trabalho com consequências catastróficas para as
famílias de risco.
As
políticas para esse colapso das esperanças desses jovens devem focar na criação
de uma nova escola que propicie competências contemporâneas, período integral e
bolsa em dinheiro para a retenção da juventude empobrecida no ambiente escolar.
Simultaneamente, são necessárias políticas de apoio integral às famílias de
risco, o que não se confunde com o Programa Bolsa Família.
#NãoVoteNoInimigo
Acabei
de ver agora (dia 17/8) o debate dos candidatos à presidência pela Rede TV.
Ninguém tem uma proposta efetiva para a sangria que ceifa as vidas de 63 jovens
negros por dia. Qual partido – qual candidato – tem uma pista segura para
reverter esse quadro? No passado recente, muitos foram silenciosos em relação
ao furioso ataque sofrido pelas cotas raciais na universidade pública – a mais
eficaz política pública para reduzir desigualdades no país. Hoje, enquanto as
cotas raciais aproveitam os talentos outrora relegados, na outra ponta os
homicídios matam 23 mil por ano.
Quem
projeta os programas dos presidenciáveis são economistas. Estes seres sinistros
jamais tentaram calcular o custo de oportunidade que o país paga por ceifar
talentos; o que deveria ser a sua obrigação. A reversão desse genocídio exige
estadistas; não tecnocratas que não pensam o país real. Ao que tudo indica,
estamos diante de um deserto cuja aridez teremos que enfrentar.
O
voto negro precisa funcionar. Eu chamo de “desvoto” o ato de boicotar os
candidatos a postos majoritários que não tenham uma pauta específica para a
maioria da população. O momento é de organização desse voto – o mais barato do
mercado eleitoral, como reconheceu Jânio Quadros há mais de 50 anos. Não faz
sentido empoderar aqueles que uma vez eleitos operam com especial zelo contra
os seus direitos.
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