Pouca
presença de negros na TV leva a racismo na infância, dizem especialistas
- 12/10/2015 08h56
- Brasília
Da
Agência Brasil
Para especialistas, é preciso fortalecer a
identidade das crianças negrasMarcello Casal Jr/Arquivo/Agência Brasil
O estudante Anderson Ramos passou boa parte da 4ª
série (hoje 5º ano) sendo chamado de “macaco”, “preto fedido”, “sujo” e ouvindo
“piadas” por causa do cabelo crespo. As ofensas vinham de colegas da escola
que, assim como ele, tinham 10 anos. O menino relatava os casos para a
professora, que nada fez, e para a mãe, que demorou a entender que o filho
estava sendo vítima de injúrias raciais.
“Quando comecei a chorar muito para não ir à escola
e pedi para raspar o cabelo, minha mãe percebeu que eu estava sofrendo com
aquilo, mesmo sem eu saber direito o que era”, afirma Ramos, hoje com 20 anos.
“Quando a gente é criança, não tem maturidade para fazer a leitura do que
aconteceu, mas sente a dor que o racismo causa. E não é brincadeira de criança,
é racismo”, diz o estudante.
Apesar de pouco discutido, o racismo na infância e
nas escolas existe e precisa ser enfrentado, na opinião de professores e
especialistas ouvidos pela Agência Brasil. Eles destacam a pouca
representação de crianças negras nos meios de comunicação como uma das causas
do problema.
Professora da Faculdade de Educação da Universidade
de Brasília (UnB) e coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da
instituição, Renísia Garcia Filice acredita que o racismo existe dentro das
escolas e ocorre de forma cruel, efetiva e naturalizada. Para ela, essa atitude
na infância é fruto do que a criança viu ou vivenciou fora do ambiente escolar.
“A criança pode ter vivenciado isso numa postura
dos pais, em algum comentário ou até em algo que os professores fizeram ou
deixaram de fazer”, diz Renísia. Segundo ela, alguns professores se omitem em
situações de racismo pela falta de informação, por naturalizar os casos ou
achar que não é um problema. “Por isso, são necessárias práticas pedagógicas
para que as crianças se percebam iguais e com iguais direitos”, acrescenta.
Ildete Batista dá aula para crianças de 5 anos em
uma escola no Distrito Federal. Ela afirma que as questões raciais aparecem
principalmente no momento de disputa e durante as brincadeiras. Professora há
mais de 20 anos, Ildete afirma que faltam referências para as crianças. “O que
fica como belo é o que se aparece na TV, nos livros – inclusive nos materiais
didáticos. A gente vê muitas propagandas, livros de histórias infantis em que
os personagens são brancos.”
A professora desenvolve, na escola, um trabalho
contra o racismo e para colocar mais referências africanas na educação. Isso,
segundo Ildente, vem dando resultados. “No início do ano, uma menina me disse
que não gostava do cabelo dela, por ser crespo. Em um desenho, por exemplo, ela
se fez loira do olho azul. Agora, no final do ano, ela se desenha uma criança
negra com cabelo enrolado. Isso mostra que o trabalho tem que ser feito e, se
ele é feito com respeito, a gente consegue vencer esses problemas”, acredita.
Segundo o professor do curso de direito da UnB
Johnatan Razen, quando há ofensas entre crianças, no colégio, os pais devem relatar
o caso à escola, para a que a instituição promova ações educativas. “Se o caso
envolver um professor ou a ofensa vier da instituição – como obrigar uma aluna
a alisar o cabelo –, cabe acionar a Justiça”, orienta. Se tiver conhecimento de
atitudes racistas dentro do espaço e se omitir, a escola também pode ser
responsabilizada penalmente, de acordo com Razen.
Representação
Para a professora do curso de comunicação social da
Universidade Católica de Brasília (UCB) Isabel Clavelin, há uma tendência de aumento
na representação de crianças negras nos meios de comunicação, nos últimos anos.
"Mas elas figuram em papéis de coadjuvantes, e a representação está aquém
da proporção de negros no Brasil", diz a pesquisadora.
“Isso tem um efeito devastador, porque a criança se
vê ausente ou não se vê como ela realmente é. Ela está sempre atrás. A
interpretação dessas mensagens tem um efeito muito danoso, que é a recusa, de
se retirar do espaço da centralidade”, afirma Isabel. “Enfrentar o racismo na
infância é crucial e deve mobilizar toda a sociedade brasileira, porque ali
estão sendo moldadas todas as possibilidades de identidade das pessoas”,
acrescenta.
A escritora Kiussam de Oliviera, que trabalha com a
literatura infantil com o objetivo de fortalecer a identidade das crianças
negras, afirma que falta representação positiva. “Em um país de maioria negra,
não se justifica uma televisão totalmente branca, como nós temos. A partir do
momento que as emissoras entenderem que o público negro é grande, nós viveremos
uma fase diferente desta que estamos passando, onde há violência por conta da
cor da pele, agressões focadas na raça – cada vez mais banalizada."
João Gabriel sente falta de mais personagens negros
na TVFabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O estudante João Gabriel, de 11 anos, sente falta
de mais crianças negras na televisão. “Nos desenhos e nos programas de TV, quem
é gordo e negro está sempre sendo xingado, é sempre tímido e os outros zoam
dele. Aí a gente vê isso e acha que é sempre assim. Os colegas acham que todos
precisam ser iguais e ser diferente é ruim.”
Novo Programa
Com a maioria dos personagens negros, começa hoje a
ser exibido na TV Brasil o desenho colombiano Guilhermina e
Candelário. Para marcar a passagem do Dia da Criança, a emissora
exibirá quatro episódios em sequência, às 9h45 e às 13h. A partir daí, o
desenho será transmitido de segunda a sábado, na Hora da Criança, faixa de
programação de segunda a sexta das 8h15 às 12h e das 12h30 às 17h; e no sábado,
das 8h15 às 12h.
O desenho
Guilhermina e Candelário mostra o cotidiano de dois irmãos e do avô, todos
negrosDivulgação/TV Brasil
A série mostra o cotidiano dos dois irmãos, cuja
capacidade de sonhar transforma cada dia em aventura. A cada dia, eles esperam
ansiosamente a chegada do Vô Faustino, a quem contam suas aventuras. O avô
desfruta das histórias narradas pelos netos e compartilha sua experiência de
vida e sabedoria.
Coproduzida pelo Señal Colombia e pela Fosfenos
Media, a animação Guilhermina e Candelário é um dos primeiros desenhos
do gênero com protagonistas negros a ser exibido na TV aberta brasileira.
Edição: Juliana
Andrade
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