A Luta Contra o Racismo Silencioso do Vale do Silício
Escrito por
Darold Cuba
10 July 2015 // 07:37 PM CET
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Para Hank Williams, um empresário de Nova Iorque, trazer mais diversidade ao Vale do Silício, o principal pólo tecnológico dos Estados Unidos, não é apenas uma questão moral ou econômica. Os verdadeiros motivos são inquietantes e ninguém, muito menos dentro da indústria, gosta de tocar no assunto.

“O problema é que nossa economia é baseada em inovação", afirma Williams. “Se todo nosso crescimento vier de setores que excluem vários grupos demográficos, isso pode gerar uma crise."

"Se você pensa que o Ocupe Wall Street é um sinal preocupante de insatisfação com a distribuição de renda atual", acrescentou, "você ainda não viu nada".

Williams é um veterano das startups. Ele ficou conhecido como fundador e presidente da empresa de serviços na nuvem Kloudco. Desde 2012, também é lembrado como o homem que luta contra o racismo na indústria de tecnologia. Cansado de ser sempre o único negro na sala, ele fundou, com apoio de um ilustre grupo de investidores, incluindo o Google, a Microsoft, e a filantropa Shahara Ahmad-Llewellyn, a Platform, uma conferência sem fins lucrativos dedicada à diversificar o setor da "economia de inovação tecnológica".

A última estatística sobre diversidade dentro do setor tecnológico indica um avanço muito vagaroso. No ano passado, a quantidade de funcionários latinos da sucursal americana do Facebook permaneceu estável em 4%, assim como a quantidade de funcionários negros não saiu dos 2%. (Os funcionários brancos representam 55% dos funcionários do Facebook nos EUA e os asiáticos 36%.) No Google, onde 60% dos funcionários são brancos e 31% asiáticos, a porcentagem de funcionários negros é de apenas 2%, enquanto os latinos correspondem a 3% da mão de obra — números que se mantiveram desde o ano passado.
As minorias não são apenas excluídas dos cargos técnicos dos setores que mais crescem no país; elas também recebem menos do que seus colegas brancos. De acordo com um recente estudo sobre programadores e desenvolvedores de software conduzida pelo Instituto Americano de Pesquisa Econômica, latinos ganham cerca de US$16.353 menos por ano do que seus colegas brancos; asiáticos ganham US$8.146 menos, e negros, US$3.656. Ao mesmo tempo, um estudo do USA Today revelou que a quantidade de estudantes negros e latinos se formando em ciência da computação em universidades renomadas é duas vezes maior do que a taxa de contratação desses grupos demográficos.

O problema não é a falta de emprego. Embora os cargos técnicos estejam em queda nos EUA, o ramo da ciência da computação é uma das poucas opções para aqueles sem educação superior. Apesar da atual recessão, o número de empregos na área de tecnologia é maior do que nunca — e o setor continua a crescer. De acordo com uma previsão do Gabinete de Estatística do Trabalho, até 2020, os EUA terão 1,4 milhões de empregos na área de computação, com apenas 400,000 cientistas computacionais para preencher essas vagas.

A grande quantidade de homens brancos na indústria tecnológica, um obstáculo por si só, desencadeia outra série de distúrbios. “O problema vai muito mais além. Ele domina tanto nossa história coletiva quanto nosso subconsciente", J.J. McCorvey escreveu no ano passado em um perfil publicado na Fast Company; o entrevistado era Tristan Walker, ex-funcionário do Twitter e do Foursquare que se tornou um dos empresários afro-americanos mais bem-sucedidos dos EUA. Enquanto entrevistava Walker durante seu aniversário de 30 anos, na casa de Faith e Tyler Scriven, diretor da Palantir Technologies, McCorvey ficou chocado com o fato de que "apesar de Walker ser uma das figuras mais populares da indústria de tecnologia, não havia nenhuma pessoa branca em sua festa de aniversário..." Quando McCorvey perguntou o porquê para um grupo de convidados, a única resposta que ele recebeu foram "sobrancelhas levantadas e silêncio". 

Como conhecedor da indústria que acredita no "problema de encanação" — a polêmica ideia de que membros de minorias não se interessam ou não procuram empregos no ramo de engenharia —, McCorvey explicou as consequências estruturais de um país marcado pelo racismo histórico, sistêmico, oculto e subconsciente.

“É racista, por exemplo, contratar uma empresa de recrutamento com a recomendação de que um determinado cargo de engenharia seja preenchido por um aluno de uma determinada Ivy League que possui um corpo estudantil negro minúsculo", escreve Walker. “Contratar alguém com base em recomendações também é racismo: a rede de contatos de um americano branco é apenas 1% negra.”

“E é racista", ele continua, "impor critérios de 'adequação cultural'— a ideia absurda de que os funcionários devem agir (ou até mesmo se apresentar) de forma a deixar todos confortáveis." Essas são práticas de contratação comuns entre presidentes de startups. Sob a pressão de expandir suas empresas ao máximo, eles se sentem no direito de cortar luxos como um departamento de RH, que poderia se importar com a diversidade da empresa. No fim, esse processo é uma manifestação de preconceito, mesmo que subconsciente.

Um certo indivíduo pode até não se identificar como racista, ressalta a socióloga Karen E. Fields em uma entrevista para a Jacobin , mas isso não elimina o racismo estrutural e o conceito de raça existente em suas ações. “Algumas pessoas acreditam que destruir a intenção é a mesma coisa que destruir a coisa em si. Mas no final eles continuam a fazer o oposto do que defendem, sem tomar responsabilidade ou aceitar as consequências morais de seus atos." 

“O fator da idade já está sendo discutido pelos membros do Vale do Silício, e os problemas de gênero estão começando a entrar no debate. Mas ninguém fala sobre raça."

O problema é cíclico. A ausência de minorias em empresas de tecnologia ajuda a empurrar a questão para debaixo do tapete, e desincentiva aqueles que possam vir a se interessar pela indústria. "A indústria da tecnologia é bem fechada", afirma Williams. “O fator da idade já está sendo discutido pelos membros do Vale do Silício, e os problemas de gênero estão começando a entrar no debate. Mas ninguém fala sobre raça."

A Platform, uma conferência anual inaugurada em 2013 que une tecnólogos, líderes de movimentos de direitos civis e estudantes, foi inspirada por uma viagem que Williams fez pelo Vale do Silício para um documentário da CNN, em 2011. Tendo passado boa parte de sua carreira na costa leste, Williams já estava familiarizado com a homogeneidade da indústria. Mas durante sua viagem pelo Vale, ele se viu espantado com a ausência total de minorias e sentiu na pele a dificuldade de discutir problemas raciais com seus colegas.
continua...