Eu Não Sou Seu Negro 

Por Fabiana Melo Sousa*

“(…) O que a gente branca tem que fazer é tratar de encontrar em seus próprios corações em primeiro lugar porque foi necessário ter um negro, porque eu não sou um negro eu sou um homem (…) Se eu não sou o negro aqui, e vocês o inventaram, vocês os brancos tem que descobrir por que. E o futuro deste pais depende disso, se você é capaz ou não de fazer essa pergunta”. James Baldwin, 1963.

Dorothy Counts,  em 1957, foi a primeira garota negra a entrar na Universidade  de Harry Harding, na Carolina do Norte (EUA). A reação violenta dos jovens brancos foi amplamente registrada e chegou em James Baldwin, o escritor negro americano que na época morava na França. Baldwin mesmo não sendo parte de nenhuma frente militante ficou chocado e se viu obrigado a voltar para seu país e contribuir para o que estava acontecendo.

 


O documentário “Eu não sou seu negro”, um dos indicados ao Oscar, de Raoul Peck é baseado no livro inacabado do escritor americano (“Remenber This House”) que pretendia contar a história do negro nos Estados Unidos, tendo como personagens seus amigos Medgar Evers, Malcon X e Martin Luther King, no entanto, essa narrativa é interrompida a cada assassinato de um deles, nenhum dos três chega aos 40 anos de idade.

É um filme que exige alguma entrega do expectador, primeiro porque o roteiro se afasta de uma linearidade temporal quando assume em sua montagem a quebra de ritmo necessária à constatação de que: seja na Carolina do Norte em 1957, ou em Ferguson, recentemente em 2014, a história americana vem registrando o racismo que mata centenas de pessoas no país. Segundo, porque o filme trabalha com o pensamento de Baldwin e suas reflexões que muitas vezes deslocam nossos olhares para a sua perspectiva que é ao mesmo tempo realista e profunda.

O filme possui um realismo evidente ao usar as imagens de arquivo da história da violenta segregação americana – imagens atuais e presentes todas as vezes que uma pessoa negra é assassinada – mas, ao mesmo tempo, se lança na complexidade do pensamento de James Baldwin quando analisa a produção de imagens da indústria cinematográfica.

Os clássicos do cinema não aparecem apenas como ilustração do pensamento de Baldwin, mas como um dos principais elementos de propagação do ideal americano da família branca dos comerciais de margarinas e dos westerns, onde o macho alfa branco protegia e limpava a nação dos selvagens. Baldwin encontra nestas representações importantes elementos de construção de uma identidade onde os negros de hoje eram os índios mortos por John Wayne de ontem.

A desconstrução do ideal americano na perspectiva de um artista negro era o que faltava num bom documentário em Hollywood. Baldwin viveu o autoexílio para conseguir manter-se vivo, literalmente. Diante dos assassinatos de seus companheiros chega a uma conclusão ainda difícil de ser aceita: não haverá avanço nos EUA enquanto a questão do racismo não for enfrentada. O racismo é antes de tudo um problema dos brancos.  E no caso brasileiro – qualquer semelhança com a nossa realidade não será mera coincidência.

*Fabiana Melo Sousa é documentarista e pesquisadora sobre imagens e favela. Atua na TV Tagarela da Rocinha e na Mostra de Filmes “Imagens e Complexos”. Tem formação em direção cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro e em filosofia pela UNIRIO.